Esta edição é parte de uma pequena sequência sobre as contas de 2023, eventos anteriores e subsequentes a sua divulgação, e a ressalva ignorada pelos poderes constituídos na Associação.
Quem acompanha a iniciativa FLUCONOMiCS desde 2021 sabe que as demonstrações financeiras estão repletas de inconsistências, erros grosseiros, estranhas reduções de contingências e muita opacidade. Talvez pela impunidade acumulada, os gestores se sintam confortáveis para adotar um ritmo crescente de anomalias nesse circo de horrores da apresentação das contas anuais.
Perdulários ao extremo, apesar de se venderem como austeros, encontram na criatividade contábil uma forma de tentar esconder os rombos homéricos formados, criando elementos para fingir que não existem estouros orçamentários, bem como evitar que a maioria perceba com mais facilidade o absurdo e temerário nível de alavancagem adotado.
Se antigamente era comum ler em redes sociais que o clube vendia o almoço para pagar a janta, com o advento da estúpida e pernóstica LFU, vendemos anos e mais anos de almoço para pagar um único jantar num restaurante de luxo.
Não faltam idiotas por aí que achem isso tudo válido. Não é raro ouvir de alguns que se perguntassem se valeria quebrar de vez o clube de futebol por uma Libertadores, dariam aval. “Argumentam” que certas coisas não têm preço. Na verdade, quando não é você que paga a conta é muito fácil pensar desse jeito inconsequente. Imaginem então para aqueles que se beneficiam dessas conquistas passageiras de alguma forma ou até mesmos quem pode ter benefícios ainda maiores com um clube de futebol tendo seu valor reduzido a duas mariolas em função de suas dívidas e todo desequilíbrio financeiro?
Mas como disse no início da edição, estamos numa crescente de aberrações na apresentação dos números anuais. E 2023 foi tão grotesco a ponto de conseguirmos uma ressalva na gambiarra publicada para esconder um déficit colossal.
Nessa primeira parte vamos tratar exclusivamente da maior gambiarra do balanço de 2023: as receitas da LFU.
A Ressalva
Além do recorrente parágrafo sobre continuidade operacional e a ênfase no enfadonho processo de homologação das dívidas do PROFUT, o auditor externo ressalvou pisando em ovos, o grotesco lançamento da venda de 20% de todos os direitos comerciais sobre o Brasileirão por 50 anos a um grupo de investidores:
Com exceção de um único clube membro da LFU, todos os seus participantes adotaram a mesma prática agressiva e criativa para lançar dezenas e até centenas de milhões no resultado do exercício de 2023. Somente o Fluminense foi agraciado com uma ressalva. As notas explicativas chegam a ser idênticas nos clubes, exceto no Vasco da Gama, único membro da LFU a ter tratada a venda de direitos conforme o que é exigido pelo normativo contábil.
De forma bem resumida e não técnica, quando um clube antecipa valores que estão atrelados a execução futura, isso jamais pode ser lançado como resultado do exercício corrente. Ë criada uma “dívida” no passivo de forma que a sistemática contábil reconheça essa receita paulatinamente ao longo da duração da operação, no caso 50 anos.
Em vez de receita temos um passivo.
Em vez de superávits ou déficits escamoteados, temos déficits grotescos.
Bastava um “copy & paste”
As demonstrações financeiras do Vasco da Gama estão perfeitas no tratamento contábil da operação da LFU, bem como na apresentação. Notem que bastava aos demais clubes, sempre ávidos para copiar os outros, seguir o exemplo vascaíno, ainda sob gestão da 777. Notem que mesmo sob gestão da 777, que virou abóbora pelos mais absurdos motivos, não tiveram a petulância de adotar o abjeto procedimento de reconhecer receita integral e inexistente no resultado de 2023.
Vamos os texto da nota explicativa:
Notem ainda que o diferimento é proporcional aos valores efetivamente recebidos. Demais clubes, além de não diferir, reconheceram uma receita das parcelas futuras que sequer existem mais, afinal recentemente esses clubes resolveram em conjunto com os investidores que seria necessário reduzir de 20 para 10% a parcela de direitos vendidos.
Além dos efeitos da ressalva, temos um mundo de ajustes pela frente.
Essa estratégia de guerra para esconder rombos foi algo tão patético que não dá sequer para chamar de vitória pírrica.
Estimativa de ajustes em 2023
Focando nessa lambança colossal do reconhecineto de receita da LFU, os números de 2023 sofreriam os seguintes ajustes no Balanço Patrimonial:
Andou circulando pelas redes alguns núemros parecidos, mas eles esqueceram de considerar efeitos de ajuste a valor presente no falso contas a receber lançado na manobra.
Apesar de não atingir o tal um bilhão de passivos, chegamos a um número bem próximo e extremamente alarmante de mais de 945 milhões no passivo total.
No resultado o efeito dos ajustes é ainda mais grotesco. No wuadro abaixo procedi os ajustes nas mesmas linhas da apresentação do FFC. Para esconder a orgia de gastos de 2023, lançaram receita fake da LFU no grupo de custos e despesas.
Resumo parcial da ópera…
Então, só levando em conta a transação da LFU (as demonstrações podem ter outros ajustes), teríamos um incremento de cerca de 122 milhões no passivo total. O falso superávit do exercício de quase 79 milhões seria um déficit próximo de 126 milhões.
Apesar da ressalva e desses números terem circulado em redes sociais e grupos de Whatsapp, o Conselho Fiscal não viu problemas, ignoraram a ressalva e aprovaram as contas. Na sequencia o Conselho Deliberativo fez o mesmo, sem qualquer tipo de resistencia. O famoso tá tudo dominado!
Mas qual o motivo de ter um parcial ali em cima?
Bem, ao reduzir a venda de 20 para 10%, o FFC passou a dever dinheiro adiantado a maior durante 2023.
Esse tópico merece algumas explicações.
Diferimento versus dívida real
Como vimos anteriormente, o valor recebido seria reconhecido no resultado por 50 anos. Isso ocorreria no ambiente restrito a contabilidade, sem impactar fluxo de caixa, “bastando” participar das competições ao longo de 50 anos.
Mas agora temos que constituir um passivo do excedente adiantado pelo investidor. Não há demonstrativos que respaldem esses números e provavelmente só teremos acesso a isso no final de abril de 2025. Existem rumories que o FFC recebu o equivalente a 12.5% e portanto deveria 2.5% de volta ao investidor, algo a ser pago em 5 anos, sabe-se lá com qual correção e garantia real. Não sabemos também sobre os demais custos das antecipações e como eles impactarão essas contas de devolução. Aquela opacidade padrão.
O que era mero lançamento contábil numa redução de adiantamentos terá desencaixes e compensações efetivas, provavelmente lastrado em cotas de TV e outros direitos no Brasileiro. Na ótica do fluxo de caixa, ainda que temporariamente, seguirão mordendo mais que os tais 10% que permitiriam melhor competitividade.
Nesse tocante nem vale a pena entrar no mérito. Competividade, justiça na distribuição de cotas, entre outras falácias absurdas, são assuntos para outras edições.
O que acontecerá em 2024?
É bem possível que esses clubes sigam nesse absurdo de manter pelo menos metade dos valores da LFU como receita de 2023. Serão obrigados a reverter seus contas a receber e apurar perdas, mas como são criativos, abusados e seguem impunes, talvez não façam os ajutes supramencionados em sua integra.
Pessoalmente eu acho mais fácil trocarem de auditor independente do que tomarem vergonha na cara.
Se nem isso fez com que o pessoal da APFUT adandonasse seu longo processo de hibernação, nada mais o fará.
Mas criatividade contábil não tem efeitos sobre fluxo de caixa real.
A conta chega. Ela sempre chega!
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