Antes de apresentar as soluções adequadas para cada situação de um clube de futebol em apuros, é imprescindível endereçar uma das maiores aspirações dos torcedores que clamam por “auditorias”:
QUAL É A DÍVIDA TOTAL DO MEU CLUBE?
Conforme demonstrado em postagens anteriores, uma auditoria externa anual, realizada de forma compulsória por todos os clubes brasileiros, não garante que todas as dívidas tenham sido registradas em decorrência de dois pontos elementares:
- Existe uma margem de erro inerente ao princípio da materialidade
- E todo processo está sujeito a potenciais falhas no processo de verificação de dívidas, uma vez que o volume de reclamações da maioria dos clubes é excessivo.
Não posso deixar de tratar ainda de um terceiro risco, inerente aos efeitos potenciais derivados de erros de julgamento profissional por parte de especialistas externos, no caso, advogados, que podem informar que uma causa tem chance possível ou remota de perda, e o clube acaba sendo executado nesses valores. Essa parte é carregada de subjetividade, há farto linguajar jurídico para tentar tampar o sol com a peneira, mas cá para nós, isso nunca deixará de ser um erro. Pode até não ser intencional, mas são erros de julgamento que causam o retardo em reconhecer dívidas no balanço.
Mas, afinal, como podemos mensurar a dívida total de um clube de futebol?
É uma tarefa árdua. Um clube em déficit operacional recorrente forma novas dívidas e agrava as antigas diariamente.
É necessário definir uma data limite e determinar a extensão dos anos retroativos pesquisados para fazer um trabalho minucioso que pouco tem a ver com a auditoria externa anual compulsória.
O clube pode escolher entre um trabalho de consultoria com uma abordagem de auditoria da dívida e extensa pesquisa e revisão de conformidade; ou usar mão de obra interna em um projeto dedicado.
Por exemplo, supondo que uma firma de consultoria vá realizar este levantamento da dívida total com uma data base de 31/12, considerando o número de anos suficiente para cobrir todos as exposições legais possíveis e imagináveis. O que será feito?
Todos os contratos, relações de trabalho e serviços prestados, fornecedores e afins teriam que ser minuciosamente analisados neste período. Todos os impostos recalculados, considerando os efeitos dos programas de recuperação, revalidando todos os pagamentos com as guias de cobrança que comprovem os recolhimentos/pagamentos. Qualquer litígio precisaria ser discutido e atualizado monetariamente. Milhares de estimativas precisam ser feitas. Passivos ocultos precisam ser mapeados: contingências, não conformidades, inadimplências ainda não cobradas judicialmente ou extra-judicialmente, etc…
Dos procedimentos adotados na auditoria das demonstrações financeiras, seriam utilizadas as confirmações bancárias de empréstimos e parte dos procedimentos de passivo omitidos. Baixo aproveitamento em comparação com o volume real da pesquisa de dívida total de um clube.
É uma “obra” com cerca de seis meses de duração e estará totalmente desatualizada na data de entrega. Por mais que você atualize os valores, há n eventos subsequentes que alteram significativamente o levantamento e geram novas contingências e mais dívidas.
Então, você pagaria cerca de R$500-600 mil em honorários (uma estimativa de orçamento modesta) para obter uma imagem desatualizada e imprecisa de quanto você deve, que no fim do dia só serve para mostrar a todos o quanto balanços patrimoniais anuais podem estar errados.
E esse resultado representa na imensa maioria das vezes o reconhecimento de uma dívida que você sabe que não pode pagar, incompatível com as entradas do seu fluxo de caixa. Isso tudo tira 99% da atratividade de um clube para qualquer operação de resgate, reestruturação ou venda das suas operações no futebol.
Seria um mero capricho e mais um cabo de guerra nas redes sociais.
Isso pode ser feito? Pode.
Seria uma auditoria como é exaustivamente pedido por torcedores militantes? Não!
É um produto que será entregue pela auditoria anual já contratada pela administração? Claro que não.
Uma gestão séria pode e deve fazer estas pesquisas imediatamente. Afinal, sem esses dados de dívida, seus fluxos de caixa projetados nada mais são do que masturbação mental ou mera ferramenta de narrativas rasas.
As tarefas exigidas não são complicadas. Não há necessidade de usar especialistas, pois no final do dia; quem quer que seja contratado para fazer isso, usará a equipe interna do clube e advogados para obter, analisar e compilar as informações.
Absolutamente nada impede que gestão realize esse tipo de levantamento e o submeta à validação de consultores ou mesmo auditores em procedimentos pré-acordados. Mais uma vez, esses procedimentos não constituem uma auditoria que irá gerar uma opinião, mas sim um trabalho de suporte para fornecer uma ferramenta de gestão.
O controle da dívida e a formação de contingências devem ser contínuos. A administração precisa ter suas dívidas adequadamente classificadas e registradas, ter projeções de desembolsos e, principalmente, administrar todo o processo de formação de contingências. Quando se opera em déficit operacional, é notório que novas contingências são formadas e as antigas agravadas.
Na prática, a grande maioria das gestões de clubes no Brasil está perdida. Eles são informados semanalmente sobre dezenas de casos trabalhistas, sobre alguns processos de natureza civil e, muitas vezes, enfrentam problemas fiscais e previdenciários. Não há dinheiro para pagar dívidas, não há recurso para tentar fazer um levantamento da dívida total e a maioria está à mercê da sorte.
Agora é a hora de começar a explicar como sair desse impasse.E não será através de uma auditoria!