O segredo do sucesso na prestação de serviços de consultoria em um clube de futebol é sempre iniciar qualquer projeto com um diagnóstico geral de como eles se encontram, ou melhor, entender o quanto eles estão “perdidos”.
Isso deve ser feito ao menor custo possível, pois esse norte dará elementos suficientes para todas as partes terem melhor noção do volume de horas e honorários a serem incorridos em todas as fases, que poderão ser planejadas a quatro mãos.
Do ponto de vista do prestador de serviço, compensa até absorver perdas nessas duas semanas, pois elas serão menores que overruns não pagos e parcelas de honorários calotados. É preciso ver essa etapa como um investimento, na pior das hipóteses o consultor saí desse processo com um ganho de conhecimento do mercado e amplia seu networking.
Alguns profissionais experientes visitam o clube por cerca de duas semanas, analisando os números e principalmente conversando com todas as pessoas relevantes, incluindo aquelas pessoas que exercem cargos intermediários por um longo período nos clubes. Essas pessoas, que sobrevivem as trocas de cargo tão comuns a cada eleição, costumam ter o melhor nível de conhecimento na sua área de atuação e são primordiais para um diagnóstico mais preciso.
Vale lembrar que normalmente esses serviços são contratados em trocas de gestão, logo, os diretores, vices e presidente que entram, não tem a menor ideia do que está acontecendo. Ou pior, sabem perfeitamente e as omitem por causa do jogo político dos modelos associativos.
É necessário visitar todos os sítios onde o clube mantém operações: centro de treinamento, futebol de base, sede social, parque olímpico e qualquer outro tipo de atividade.
O resultado desta visita técnica para fins de diagnóstico será o mapeamento dos problemas, criando uma forma de sinalizar a sua gravidade e relevância, apresentando aos gestores o número mais significativo possível de red flags que merecem a sua atenção.
Preferencialmente, a visita deve ser realizada por profissionais com experiência anterior em clubes. Um novato se perderia nessas duas semanas, sendo facilmente enrolado pelas artimanhas do modelo associativo. Obviamente existirão situações onde não há ninguém com experiência prévia, eu mesmo, na primeira vez, não tinha, mas a escolha da prática de Investigações como líder de atuação também faz muita diferença.
Desconfiamos de tudo o tempo todo, temos o hábito de fazer screenings e background checks e sobretudo conseguimos perceber quando estão mentindo para nós, afinal isso acontece em todo projeto, seja de futebol ou não.
Essa abordagem de diagnóstico é multi-disciplinar e eu considero essencial que o profissional experiente (ou o investigador) sempre acompanhe os demais especialistas em suas entrevistas. Ele vai fazer o contra-ponto, vai atuar como o Advogado do Diabo, e impedir que o profissional, mais ingênuo, apesar de toda experiência, seja enrolado com facilidade. Futebol é algo muito peculiar, e quando há algum tipo de empatia ou o profissional é torcedor, se perdem com extrema facilidade.
Modelos associativos são extremamente amadores em termos de gestão, mas são sofisticados na arte de enrolar. É o famoso canto da sereia. E torcedor e amante do futebol adora ser enrolado. Consultor torcedor pode se transformar em “Pollyana” com extrema facilidade.
Vamos voltar ao diagnóstico!
Você precisa de alguns dias para uma breve análise das demonstrações financeiras. Com a ajuda de balancetes e o razão geral, você pode identificar rapidamente os pontos que requerem procedimentos e análises mais aprofundados.
As entrevistas com diretores, gerentes e coordenadores dão uma boa ideia do ambiente de controle e oferecem vários indícios de conflitos entre as áreas de um clube. Com um pouco de sorte e usando sua experiência, você pode obter informações valiosas durante essas entrevistas.
As visitas aos sítios também ajudam a identificar problemas operacionais, falhas de controle, sinais de abandono que indicam falta de recursos mais severos e até mesmo entender o ambiente em torno do futebol (conselheiros e empresários), que de alguma forma exercem influência.
O resultado dessas duas semanas é geralmente uma longa lista de problemas, que serão discutidos com a gestão para traçar um escopo que atenda às suas necessidades prioritárias. É preciso lembrar que mesmo que o clube tenha um fluxo de caixa positivo, sua prioridade de gastos sempre será na prática esportiva. É preciso adequar os projetos e as consultorias para que não prejudiquem esses investimentos esportivos.
No caso de clubes em situação financeira crítica, é necessário ajuste entre as duas partes. Enquanto o clube tiver recursos escassos, o prestador de serviço não pode correr o risco de crédito, pois a inadimplência pode fazer com que os projetos sejam suspensos e todos os esforços sejam perdidos.
Há uma analogia de que essas duas semanas são o namoro entre o clube e o provedor de serviços. A ideia no final do dia é fazer uma espécie de contrato pré-nupcial. Bem, todo casamento está sujeito a interpéries.
Esta relação entre clube e prestador de serviços será muito mais tensa do que nos casamentos mais problemáticos, daí a necessidade de este diagnóstico e plano de trabalho ser feito a quatro mãos com a maior franqueza possível.
Nenhum planejamento é colocado em prática 100% nos clubes de futebol brasileiros. As dificuldades são enormes, vão desde a falta de documentação até problemas de relacionamento. As pessoas ficam ressentidas de maneira excepcionalmente rápida e, por ser um ambiente de gerenciamento amador, tudo se complica com uma facilidade absurda.
Em projetos de 6 a 9 meses, é comum substituirem vice-presidentes, gerentes financeiros, contadores e acontecerem novos arranjos políticos dentro de um clube, com uma redistribuição de posições críticas. Acontece de tudo. Aparece gente nova que não tem ideia do que estava acontecendo ou até mesmo não entende o gerenciamento do futebol e cai de pára-quedas no clube. Os clubes de futebol não dão errado sem motivo.Amadorismo é o atalho para o fracasso, mas isso fica para outro dia, em outras edições.