Como pouco mais de três anos de carreira na área de auditoria, fui indicado para realizar trabalhos de natureza investigativa.
Naquela época, da Big6, não tínhamos mais do que duas práticas efetivas em firmas brasileiras: auditoria e consultoria tributária. As consultorias tinham sido desmembradas por exigência e normas internacionais e constituíam empresas distintas, que ficaram para trás, representando uma parcela quantitativa mínima.
Com isso, os auditores fizeram de tudo por vários e vários anos. O resultado prático é passei a me especializar na área de investigação e diligência. Na parte de credenciais há muito mais detalhes sobre isso.
No final dos anos 2000, um clube de futebol do Rio de Janeiro acabava de passar por um processo eleitoral conturbado, e a nova gestão queria fazer uma revisão detalhada dos atos de gestão anteriores e saber qual era o seu verdadeiro endividamento.
No contexto da avaliação de riscos da Big4, a oportunidade acabou por indicar a prática de investigações corporativas, onde eu ocupava a mais alta posição como gerente sênior em nossa filial carioca, auxiliado por uma pequena equipe de profissionais. Uma daquelas incríveis coincidências que a vida lhe proporciona, afinal, poucas pessoas que tinham experiência anterior com clubes acabaram conjugando o útil com o menos arriscado.
Além desse aspecto da gestão de risco para a exposição da Firma, havia uma questão operacional.
A atmosfera do clube-alvo era altamente agressiva, com reclamações de queima de documentos, várias ameaças, grupos de internet e torcidas organizadas. Apenas os investigadores corporativos eram malucos o suficientes e teriam a coragem e o know-how para lidar com isso. Hoje, afastado do trabalho de campo, noto com mais clareza como isso tudo era extremamente tóxico.
O projeto de natureza investigativa levou mais de seis meses le imitou-se a encontrar informações e documentos. Nunca chegamos ao ponto, naquele projeto, de investigar atos potencialmente ilícitos da antiga administração. Foi um esforço hercúleo para construir um quadro da situação financeira do clube. E quando aconteceu a entrega da minuta de relatório, a composição política interna da atual gestão já havia sido alterada pela terceira vez.
Depois de alguns anos, o antigo gestor até foi eleito novamente.
Eu não estou te enrolando com todo esse blá, blá, blá. Estou tentando colocar todos vocês na mesma página para contextualizar a importância das investigações.
Se as investigações tivessem sido conduzidas naquela época, a gestão que voltou ao poder por meio de eleições provavelmente teria sido desabilitada ou expulsa dos quadros do modelo associativo de alguma forma.
Agora vamos voltar ao tópico!
O clube fez a diligência financeira, delineou uma estratégia de reestruturação, procurou construir uma estrutura mais enxuta, melhorou os controles e queria limpar suas finanças.
É um macro-objetivo nobre, mas com prazo de validade, afinal as eleições são realizadas a cada três anos nos clubes brasileiros.
Hoje em dia, os atores políticos estão em campanha permanente, principalmente usando as redes sociais para se posicionar e rivalizar com os eleitos.
A estrutura política existente nos clubes brasileiros está diretamente relacionada aos gastos, geralmente fora do futebol.
Nos casos mais graves de promiscuidade e má gestão, nas despesas indiretas do core business, como comissões, honorários, participação em direitos, contratos de terceirização e serviços profissionais em geral.
As consultorias têm medo de tocar essa ferida com força. Afinal, eles firmam contratos e geram receita ao se relacionar comercialmente com os modelos associativos dos clubes brasileiros. Limitam-se a fazer críticas que sugiram profissionalização, sugerem futebol de empresa e ficam satisfeitos quando um clube cria condições de governança que mostram algum tipo de profissionalismo. Isso não traz transformações permanentes, muito pelo contrário.
A disputa política dentro dos modelos associativos em clubes no Brasil é motivada por interesses financeiros. Fechar os olhos para isso e acreditar no amor incondicional e na abnegação é uma engenhosidade incomparável. E esses interesses nem sempre se materializam legalmente, salvo alguns atos notoriamente imprudentes que ficam impunes por n motivos.
Não faz sentido reorganizar os clubes financeira e administrativamente para perder tudo em uma eleição entre 3 e 6 anos.
Suponha que seja impossível extinguir o modelo associativo. Nesse caso, é necessário retirar os elementos nocivos e os dirigentes que causaram prejuízos aos associados destes clubes.As investigações são o único caminho.