Lamento informar, mas se você acreditou nos esforços da gestão e no papo de redução de déficit, você precisa voltar a estudar o básico do básico, ou procurar tratamento médico para lidar com essa compulsão em bajular gestor de futebol.
O objetivo dessa edição de livre acesso é dar uma breve pincelada sobre a narrativa. O aprofundamento e todas as tabelas e dados serão apresentados em edições futuras, onde cada grupo de contas ou problema que eu julgo relevante, serão tratados de forma exclusiva e detalhada.
Fluminense apurou um deficit de caixa de R$42.5 milhões em 2020. Essa informação está disponível na demonstração do fluxos de caixa, onde o deficit contábil é ajustado pelos efeitos de itens não monetários. Para fins de comparação, no ano anterior, o deficit de caixa apurado foi de R$27.9 milhões. Há um incremento de formação de deficit corrente de R$14.60 milhões. Você pode tentar culpar a pandemia? Pode, mas não vai dar certo, como mostrarei ao longo da thread. Estamos falando de um incremento superior a 52%. Isso está muito longe de poder ser chamado de austeridade.
Vamos a uma breve explicação sobre contabilidade, itens monetários e não monetários e essa ponte que o demonstrativo de fluxo de caixa tenta fazer com a realidade financeira e os diversos descasamentos temporais que a contabilidade cria com suas normas e regras.
A apuração do resultado contábil leva em consideração uma infinidade de lançamentos que não transitaram pelo caixa do Fluminense, tanto na receita, como na despesa. Vendo um jogador a prazo por 3 anos e reconheço a venda integralmente no resultado, capitalizo gastos na formação de atletas, os retirando das despesas, fora as clássicas provisões e os efeitos de depreciação e amortização. Tudo isso forma um valor de superavit ou deficit meramente contábil.
Há uma obsessão sobre essa valor pra lá de pontual e inútil, e isso ocorre porque os resultados apurados anualmente geram conteúdo e muita pauta “política”.
Vamos voltar aos números de 2020.
O Fluminense apurou um deficit contábil de R$2.9 milhões e se vangloria de tê-lo reduzido em R$6.3 mi do valor apurado em 2019.
Diz ainda que isso foi alcançado reduzindo despesas financeiras em 48% e cortando gastos, em percentual não informado, e mesmo com a queda de 27% de sua receita operacional, conseguiu um perder, contabilmente, menos dinheiro que em 2019.
Pois bem, vamos ao fluxo e as notas explicativas.
Começando pela incrível capacidade da gestão em reduzir suas despesas financeiras, apesar do seu endividamento ter aumentado. Curioso, não é mesmo?
Fluminense está montado em um contas a receber da venda parcelada de jogadores lastreado em euros. A incrível capacidade de gestão no resultado financeiro advém em grande parte de efeitos de variação cambial. Como o Real andou derretendo durante a pandemia, o clube teve ganhos expressivos, a maioria não monetários, no montante de R$16.7 milhões. Há também outros R$17 milhões em descontos financeiros obtidos, os quais, via de regra, só são mantidos, se os acordos e parcelamentos obtidos que originaram esses descontos, sejam pagos em dia, algo que a gente sabe que não vem acontecendo e nem tem perspectiva de acontecer, na medida que formaram, só nos últimos 24 meses, mais de R$70mi de déficit de caixa.
As receitas realmente caíram, mas isso é algo que precisa ser visto com lupa. A queda na cota de TV é compensada pela multa de 18 milhões da rescisão do contrato da Globo no Carioca:
TV + multa em 2020: R$105.7 milhões
TV em 2019: R$108 milhões
E aqui temos mais um gancho para o fantástico mundo dos efeitos de itens não monetários na apuração do déficit contábil. Os R$18 milhões não entraram no caixa, foram compensados com outros valores adiantados. Perceberam como num ambiente de pré-insolvência, endividamento crescente e múltiplas operações de alavancagem para ir empurrando a operação com a barriga, a apuração de um resultado meramente contábil beira a inutilidade?
Aos poucos vamos construindo uma conciliação de um pequeno déficit de cerca de R$3 milhões para o rombo anual de caixa de R$45 milhões em 2020.
Há uma perda de bilheteria e esse ponto é explosivo. Tratarei dele com todo carinho e atenção possível mais na frente. As operações dos jogos são deficitárias, apesar do Portal da Transparência apresentar uma tabela que compara laranjas com bananas e aparentemente ainda comparar laranjas em duplicidade. Tenham paciência, pois esse tema exige uma ou duas edições totalmente dedicadas a ele.
A análise dos borderôs indicam prejuízos operacionais nos jogos. Por incrível que pareça, se perdeu muito menos dinheiro com isso em 2020, sem público, que em 2019, com público. Entendo que as comparações que fazem para apurar lucro na operação, usando a receita de programa de sócio futebol, são completamente inadequadas. E até mesmo receitas de camarote e alimentos e bebidas me parecem duvidosas, na medida que se analisa os efeitos dos números do consórcio no balanço do Flamengo.
Há sim uma queda expressiva em vendas de atletas, mas aqui temos que lembrar de mais um conceito: existem receitas recorrentes e existem as extraordinárias. Vendas de jogadores e mecanismos de solidariedade variam naturalmente. Culpar a pandemia pela queda? Dá para culpar, mas nada nos garante que sem pandemia teríamos vendas no mesmo patamar, lembrando que em 2019 o valor é elevado mas muita coisa ficou pendurada no contas a receber.
A todo momento fica bem claro como é preciso olhar para a demonstração de fluxo de caixa e não a apuração de resultado contábil. A gestão simplesmente ignora esse demonstrativo de caixa na sua narrativa, por motivos pra lá de óbvios.
Vamos tratar rapidamente das despesas operacionais. Vários grupos de contas apresentaram crescimento de despesas em 2020. Notamos uma redução significativa, de cerca de R$13 milhões em comissões pagas, mas isso é mero efeito colateral de um ano de vacas magras no mercado de transferência. Não há austeridade nisso.
A despesa com transporte e viagens também tem uma redução que chama a atenção, em torno de R$3 milhões, mas mais uma vez, isso não advém de esforço da gestão nem indica austeridade. Campeonatos interrompidos, limitação de acesso aos estádios na reabertura dos jogos sem público, etc…
Por outra lado notamos elevação de gastos na maioria dos outros grupos, até mesmo nos salários, que sofreram reduções em acordos durante a pandemia. As edições sobre custos e despesas tendem a ser mais explosivas que a parte do prejuízo operacional dos jogos.
Pois bem, perceberam como a realidade é oposta a narrativa?
Estamos só começando essa incrível jornada. Fiquem atentos a timeline do Twitter, pretendo disponibilizar parte do conteúdo que será restrito a membros, de forma bem resumida, por lá. No mais, assinem o boletim para receber as edições de acesso liberado.
STs