Minha edição em português tem um pouco menos de 190 páginas, 9 capítulos e foi traduzida e publicada em 2010. Não tenho mais a versão em inglês, toda vez que compro uma versão digital, faço doação da impressa. Talvez essa versão do presidente de 2013 e mais páginas seja de outro multiverso. Me desculpem desde já se estivermos falando de obras distintas.
Vou me basear na que está a venda na Amazon para Kindle e partir dela traçar as comparações para expor meu ponto de vista: não há como o atual Fluminense estar se inspirando na BOLA NÃO ENTRA POR ACASO. É humanamente impossível que isso seja verdade.
Eu vou tentar ao máximo seguir a mesma ordem do livro, para facilitar a vida de quem já leu a obra e para quem pretende ler, motivado pelas edições desse boletim periódico.
Basta ler a parte introdutória para saber que é um despropósito, mas eu vou do início ao fim, isso nos permitirá iniciar várias frentes de discussão.
Algumas premissas são apresentadas logo de cara. Uma delas diz respeito que o sucesso esportivo dos clubes está diretamente associado ao investimento que ele faz em suas folhas de pagamento do time principal. As folhas mais caras prosperarão de forma contínua e em alguns casos até hegemônicas. Ferran cita um estudo dos pesquisadores Szymansnki e Kuipers sobre a performance dos clubes da liga inglesa na década de 90, onde foi obtida uma correlação de quase 1 entre gastos com folha e sucesso esportivo.
Ferran é categórico ao afirmar que times de menor investimento que chegam a finais ou até mesmo tem um êxito pontual, podem levar ao engano de que folhas de pagamento menores podem prosperar ao acaso. Ele cita como exemplos o Real Sociedad, que quase ganhou uma liga espanhola, e cita o Porto, campeão de tudo com o mestre Mourinho.
Bom, em mais de uma ocasião, nosso presidente, que se diz inspirar na BOLA NÃO ENTRA POR ACASO, defendeu que eventualmente times de menor investimento tem êxito em torneios de mata-mata. A sequência de entrevistas e lives anteriores a matéria no Globo Esporte sempre traziam uma mensagem de esperança de título da Libertadores por obra do acaso, mesmo tendo um time mais pobre financeiramente que os demais. Ele cita até estudos para fundamentar isso. Eles podem existir, não foram apresentados, nós temos casos na Libertadores de times de menor investimento e até muito ruins, serem campeões, mas isso é totalmente atípico.
Um desses poucos casos aconteceu justamente em cima de um Fluminense com elevado investimento da Unimed, que se preparou de forma inadequada e negligente para o primeiro jogo da final da altitude. E foi operado pela arbitragem no jogo da volta, além de extremamente incompetente nos pênaltis. Erros operacionais aliados a falta de uma leitura adequada de como as coisas funcionam na prática (bastidores), evidenciando que nem só dinheiro resulta em resultados.
E o pior disso tudo, é que essa esperança em título é diametralmente oposta ao que defende Ferran Soriano. A ideia central do livro é não contar com o acaso. Eu poderia finalizar a thread por aqui, mas vamos seguir adiante. Entendo que há um gancho para abordarmos mais dois pontos derivados dessa premissa.
O primeiro é sobre gastos com folha e competitividade.
É um ponto pacífico que você tem mais chances de sucesso se tiver melhores times e isso implica em maiores gastos. Ferran mais na frente trata dessa questão de maior receita e controle de gastos para você ter recursos para ter um time competitivo e figurar entre a elite do futebol.
Pois bem, um gestor que gasta com uma quantidade absurda de dinheiro com centenas de jogadores sob contrato, investe dinheiro em aspirantes que supostamente tem maturação tardia, paga uma fortuna para jogador ficar sentado num banco infinitamente e até cogita pagar parte dos seus salários para ele atuar num competidor direto, tem elevados gastos fora do futebol e um backofice oneroso, definitivamente não está seguindo o que o livro defende
E o segundo ponto diz respeito a narrativa. Ou você acredita que faz parte da elite do futebol e vai entrar para competir em alto nível em todas as temporadas e perseguir títulos que sustentarão seus gastos, ou você conta com o acaso e assume que faz parte dos coadjuvantes do mundo da bola. O acaso não é recorrente.
Isso tudo é muito contraditório, não só com o livro, mas com boa gestão. Reduz a uma narrativa rasa e vazia, que é desmontada com uma facilidade extrema, basta saber ler e ter acesso ao livro. Basta refletir por poucos minutos e ter o mínimo de memória e confrontar os discursos.
Vou fechar essa edição com uma curiosidade dessa parte do livro.
Em determinado momento Ferran Soriano aborda as contratações de Geovanni e Fábio Rochemback pelo Barça na década de 90. Ele se indigna com a justificativa que o primeiro era um novo Garrincha (eu não lembro disso, mas vida que segue) e o segundo era equivalente ao Neeskens, volante famosinho do carrossel holandês de 74.
Em 2021, o City comprou um novo Neymar, perdido em Xerém, e com muito menos bagagem, por valor total, incluindo os possíveis bônus, superior ao pago pelo novo Garrincha. O mundo dá voltas.
E…
“Não se olvide que a liberdade de expressão (de informar, de criticar, etc.) é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. A livre manifestação do pensamento é garantia constitucional, devendo ser assegurada em toda sua plenitude, nos vários veículos de comunicação, inclusive nas redes sociais”, me permitindo uma única alteração: Revue, “no caso concreto”.
No texto original de onde isso foi extraído, ainda há uma nota de rodapé usada:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (Art, 220, caput, Constituição da República)‘.
“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”. Doutrinando com Nelson Rodrigues, uma mania bem antiga que eu tenho.
STs