Chegamos ao grupo do ativo não circulante. Entendo que já tratamos da parte de contas a receber de jogadores na edição anterior do #DARSiDEFLUCONOMiCS, pelo menos no que interessa nesse contexto de análise geral do balanço patrimonial e seus efeitos no resultado. Vamos nos concentrar nos demais grupos de conta nessa edição.
Todos esses assuntos serão revisitados na análise do resultado de 2020, mas é preciso ir construindo o conhecimento de forma paulatina. Assim vocês poderão criticar de forma embasada e sobretudo não serem enganados com análises rasas alinhadas com narrativas diversas.
Depósitos judiciais
Essa conta passaria desapercebida na análise sobre o exercício de 2020, afinal ela apresentou uma redução significativa de 27% durante o ano e, em teoria, reflete o saldo atualizado dos depósitos judiciais efetuados pelo Fluminense. Sua redução poderia estar em linha com a narrativa que andam fazendo acordos e realizando pagamentos e os depósitos poderiam ter sido utilizados ou resgatados de alguma forma.
A princípio algo que nos levava a uma impressão positiva. Uma ou outra pessoa seguiria desconfiada do lado positivo, tão raro de acontecer efetivamente, mas parecia ser algo bom.
Mas tudo atrasa. Atrasa demais. Ao mesmo tempo que não temos as contas aprovadas (estou escrevendo esse texto em 07/07/21), não temos parecer do Conselho Fiscal e não “enterramos” esse assunto, o tempo passa e surge o primeiro trimestral, também com um atraso colossal.
E eu sou daqueles que desconfiam de tudo.
Aquela redução mágica de 2020 desapareceu, o saldo foi recomposto ao final de março de 2021: $25mi em 2019, $18.4mi ao final de 2020 e três meses depois voltamos a um patamar próximo ao de 2019, com $24.9mi. Eu fico me perguntando de cara de onde saíram mais de $6mi em depósitos realizados em 3 meses.
Nós precisamos ver as notas explicativas, ou melhor torcer para que elas existam. A demonstração financeira do Fluminense nos prega uma peça.
Vejam que há indicação de nota sobre os depósitos, seria a 2.3d:
Acontece que a nota 2.3d trata de passivo. É a nota de contingências:
Nessa altura surge o incauto, alegando que os depósitos judiciais são feitos para fazer frente a determinadas causas do contencioso do Fluminense e ele não está errado. Acontece que a nota 2.3d, que é dividida em 2 partes, não faz qualquer menção a depósitos judiciais, exceto a composição de seus saldos:
A palavra “depósitos judiciais” aparece somente 4 vezes na publicação:
Uma delas no índice que fiz a captura, outra no quadro resumo do ativo (segunda figura da edição desse boletim), no título da nota explicativa e uma quarta citação perdida no fluxo de caixa de 2019:
Na sequência a #DARKSiDEFLUCONOMiCS terá que entrar em trabalhos de natureza arqueológica, esses $33mi de 2019 são perturbadores. Mas vamos seguir focando em 2020.
Existem elementos para entendermos o que aconteceu com o saldo de depósitos judiciais? Não.
Sua recomposição 3 meses depois é estranha? Talvez.
A falta de transparência é notória. O relatório anual me parece extremamente falho nesse aspecto dos depósitos.
Não vou fazer todas as ilações que seriam pertinentes sobre os efeitos dessa baixa e reversão/recomposição em tão curto prazo. Nos faltam elementos básicos, o trimestral é de uma pobreza informacional ímpar.
Me causa espanto e estranheza pessoas que aprovem essas contas anuais. Estamos falando de uma flutuação sem explicação, recomposta 3 meses depois, que equivalem a mais que o dobro do comemorado superávit contábil apurado. Nosso Fluminense está entregue às traças.
2019: R$33milhões?
Analisar as finanças do Fluminense exigem muita paciência, determinação, resiliência, fora o estudo inerente a qualquer análise de balanço. Mas isso flui naturalmente depois de tantos anos, o que realmente complica é quando se depara com uma situação que te obriga a sair “escavando” ao achar algo suspeito. Fazendo uma analogia com o cinema, esses $33mi escondidos num dos quadros, parece aquele ossinho humano que um cachorro desenterra despretensiosamente e o leva pro dono. Na cena seguinte o local está cercado com o time de CSI.
Vamos recapitular o que está escrito na Demonstração dos fluxos de caixa dos Exercícios findos em 31 de dezembro de 2020 e 2019:
“Liquidação de tributos mediante uso de depósitos judiciais”
Eu presto muita atenção no saldo de depósitos judiciais desde 2018, em função de rumores de contratação de um serviço de conciliação que remuneraria o consultor a uma taxa de sucesso de 30%. O serviço nunca foi executado e essa história pode ficar para outro dia. Mas aquilo tudo foi tão absurdo que eu memorizei o saldo de depósitos, em virtude dos milhões pra lá de fáceis que o consultor receberia.
É um mundo pequeno, esse consultor tentou me dar aulas de contabilidade no MBA. Tenho pena da maioria dos meus professores de contabilidade, pois é um parto aturar um auditor experiente em sala de aula. Enfim, naquela época, o saldo contabilizado de depósitos montava a cerca de 16 milhões e estávamos falando de honorários máximos, num mero serviço de conciliação sem complexidade, de quase 5 milhões de reais.
Quando eu li sobre $33mi fiquei me perguntando se era possível o saldo de depósitos ter crescido tanto em poucos anos, até porque a falta de caixa é notória. Dezenas de milhões depositados em juízo?
Resolvi a princípio movimentar os saldos de depósitos anuais, o que resultou na tabela abaixo:
Tínhamos saldo para utilizar os 33 milhões informados no fluxo de 2019, mas notem que formamos novamente depósitos judiciais na casa das dezenas de milhões de reais no mesmo exercício. A forma de apurar isso é bem simples, segue a lógica do saldo inicial, mais adições (novos depósitos), menos baixas (utilização dos depósitos) tem que ser igual ao saldo final registrado em balanço. Temos a seguinte estimativa de movimentação em 2019:
Como se dá a contabilização dos depósitos judiciais?
Você credita sua conta do balanço patrimonial de caixa e bancos e debita depósitos judiciais. Consequentemente há uma saída de caixa que não é refletida no resultado contábil e isso precisa ser ajustado no demonstrativo contábil do fluxo de caixa, que serve basicamente para conciliar o fluxo financeiro com a apuração de déficit ou superavit contábil.
O que deveríamos esperar no fluxo? Um valor parecido com os $30mi da estimativa, mas só temos $19mi:
Me parece que a transparente gestão do Fluminense nos deve alguns esclarecimentos. Dada a falta de informação (as notas explicativas sobre depósitos, na prática, não existem) não podemos ser taxativos em apontar algum erro. Mas podemos exigir que isso seja conciliado e explicado.
Fica uma sugestão para que o Portal liste todos os depósitos judiciais existentes, de forma individualizada. Transparência é isso.
Me causa certo espanto formar novos $30 milhões em depósitos de judiciais quando eu olho para o fluxo de caixa projetado no orçamento de 2019. São várias perguntas sem respostas.
Notem ainda como todo o trabalho de revisão das demonstrações financeiras é pífio. O relatório saiu da auditoria com essa zona cinzenta sobre depósitos judiciais e não há qualquer evidência ou menção, em 2019, que o Conselho Fiscal tenha pedido esclarecimentos sobre o tema. Aparentemente passou batido.
E eles querem nos convencer que há governança e bons controles. E que são super transparentes.
Complicado!
Isso está ficando enorme…
Vamos ao intangível, mas esse é um tema enorme e acabará enfadonho ler tanta coisa de uma única vez, fora o fato que são dois temas distintos.
Dividi a edição em duas…
Até lá!