Há um novo assunto recorrente na enfadonha dinâmica eleitoral do modelo associativo do Fluminense: a separação por centros de custos, de forma a tornar todas as unidades de negócios, no mínimo, autossustentáveis.
Essa promessa eleitoral foi lançada em 2019 pelo atual presidente e mais de 3 anos depois, seguimos sem ter noção exata do que acontece, muito menos deram transparência aos resultados das diversas unidades de negócios e suas sub-unidades.
Trecho do prospecto de campanha da chapa eleita em 2019.
Os diversos grupos políticos entendem que não há essa separação e que, portanto, não há como analisar adequadamente cada prática, apurar suas necessidades de receita, enxugar custos e enfim, evitar que elas se transformem em verdadeiras máquinas de perder dinheiro.
Mas isso tudo é baseado em erros, do conceito a prática.
A DUPLA FALÁCIA
Em primeiro lugar, a premissa de custos não serem segregados na contabilidade desafia a lógica. Não daria nem para chamar de contabilidade se não apurassem as despesas por centros de custos e unidades/sub-unidades de negócios.
O fato das gestões serem opacas e não divulgarem os custos de cada atividade/unidade/sub-unidade de negócio, não implica na inexistência de controle e apuração.
A apuração tanto existe que subsidia o famigerado quadro de resultado segmentado:
Esse quadro e os déficits apresentados são a origem dessa promessa falaciosa de segregação para chegar a autossustentabilidade, como vou explicar ao longo dessa edição.
Por anos a fio o Fluminense apurava perdas e ninguém as analisava.
O primeiro esforço para tentar entender como se perdia tanto dinheiro na operação veio a partir da análise do resultado segmentado em unidades de negócios. Esse quadro, naquela época perdido nas notas explicativas do relatório anual e com outras informações espalhadas em outros demonstrativos, nos fazia supor que as unidades de negócios esportes olímpicos e sede social eram os maiores vilões do Fluminense.
Eles são mesmo, dois deles, numa infinidade de unidades que operam no vermelho. Mas ao longo dos anos foram transformados em Geni em todo esse processo de desinformação e análises rasas.
Confesso a vocês que por muito tempo também acreditei que essas unidades causavam perdas homéricas, mas na medida que vai se aprofundando as análises, debatendo sadiamente o assunto e juntando mais elementos, se conclui que elas foram transformadas em cortinas de fumaça.
Toda planificação contábil é estruturada para apurar custos de acordo com a natureza das contas, ou sua finalidade, ou sendo ainda mais direto, a sua unidade de negócio.
Então, a apuração dos custos diretos existe porque faz parte da rotina e dos controles.
Mas nem todos os custos são diretos ou exclusivos. Além de existirem custos indiretos, existem componentes diretos comuns a mais de uma unidade de negócio. Aqui entra a figura do rateio, o que de fato determina se uma unidade de negócio tem um déficit colossal ou não na prática.
Rateios são subjetivos, então, jamais serão segregados e carimbados de uma forma direta. Vamos exemplificar!
A unidade de esportes olímpicos tem custos diretos facilmente identificados: folha de pagamento, prestadores de serviços exclusivos, taxas e outras coisas que são totalmente inerentes aos esportes amadores.
Mas ela compartilha o uso da sede com os associados. Todo custeio da sede (direto e indireto) precisa ser rateado entre essas unidades de negócio.
Os rateios aparecem de uma forma bem sucinta naquele apanhado de slides que chamam de orçamento:
A sede ainda abriga o caríssimo BackOffice, e ele é rateado de forma arbitrária entre as unidades. É meio evidente que o BackOffice é muito mais orientado para o Futebol que para o Clube Social e ainda menos para Esportes Olímpicos. Mas somente 60% do seu custo é atribuído ao futebol.
Notem que até aqui, a promessa de segregação de custos é duplamente falaciosa.
Primeiro em função da contabilidade já segregar esse tipo de informação em seus balancetes analíticos. Segundo que existe custeio comum que sempre será rateado de forma arbitrária e subjetiva. Como disse anteriormente, uma promessa errada conceitualmente (jamais será possível segregar todos os custos) e na prática (a segregação direta já é realizada, mas não é divulgada, ou seja, prometem uma melhoria de algo que já existe).
MAS AINDA SÃO VILÕES DO FUTEBOL
O fato de algumas unidades negócios terem na prática déficit corrente potencialmente inferior ao desinformado na nota de resultado segmentado não as torna toleráveis.
É preciso lembrar que o Fluminense como um todo tem déficits operacionais, tanto que sua dívida não para de crescer. Não se aplica pressupor que algo opere no azul, luz do fluxo de caixa. isso não existe tem tempo.
Esportes olímpicos praticamente não geram receitas e são sustentados por aportes e subsídios, ou na melhor das hipóteses, patrocínios que darão lastro a remuneração de atletas e seus técnicos e os elevados custos com competições e viagens. Não tem cota de TV, não tem direito federativo e econômico de atleta para ser alienado, não tem sócio torcedor olímpico, enfim, não tem receita de verdade. Esportes olímpicos estão inseridos em políticas públicas e jamais deveriam coexistir com futebol profissional.
Em 2021 as escolinhas geraram apenas 1.3 milhão. Em 2019, sem pandemia, faturaram 1.8 milhão. Isso não tem qualquer relevância dentro do contexto de receitas totais do Fluminense. E não geram retorno financeiro.
Essa coexistência é maléfica para ambas as partes.
Do lado do futebol, fica o risco de perder tempo de gestão e até mesmos recursos financeiros para financiar práticas olímpicas. Do lado olímpico, sofrem com o descaso de uma gestão prioritária para futebol e perdem acesso a verbas por falta de conformidade fiscal.
Causa estranheza que lideranças das práticas olímpicas e gestores de futebol profissional não discutam para estabelecer uma cisão. E causa até certa ojeriza ver a cada 3 anos essas chapas ficarem com o papo torto de segregação e autossustentabilidade. Isso não tem nada de profissional, é pura insistência numa infinidade de erros. Cada unidade tem que seguir seu caminho de forma separada, embora a essa altura, ambas tenham sua continuidade operacional prejudicada e ameaçada pelo imenso passivo que esse amadorismo histórico formou.
Já a insistência na unidade de negócios “sede social” é reflexo perfeito do modelo associativo.
Clubes sociais entraram em declínio desde a década de 90. Uma mudança de comportamento das novas gerações, mudanças nos conceitos dos prédios e condomínios, avanço das academias de ginástica e centros especializados de práticas esportivas etc.
Revitalizar a sede para incrementar a sua tradicional unidade de negócios é mais um mantra falacioso. Esse também tem décadas e décadas e jamais acontecerá algo que solucione esse problema. Fazem milhões de promessas e se esquecem do básico: a mensalidade é muito baixa. Prometer melhorias sem alterar as mensalidades a um valor justo e que cubra os custos daquele elefante branco e de todas as boquinhas presas nas tetas do BackOffice? O dinheiro só poderá sair do futebol.
O futebol tem que bancar o playground dos moradores do bairro de Laranjeiras? Moradores torcedores de outros times? Óbvio que não.
É uma relação toda errada.
Mas como confrontar essa situação se é esse público parasitário e subsidiado que vai formar as chapas e aparecer para votar presencialmente? O resultado prático são essas campanhas patéticas tentando seduzir grupos que na prática só atrapalham o futebol do Fluminense e impedem sua efetiva profissionalização e modernização.
A CORTINA DE FUMAÇA
Toda essa história de culpar uma ou duas unidades de negócios precisa ser vista com outros olhos. Se o rateio transfere perdas para essas unidades, então o carro chefe apresenta resultados piores que os reais. Em breve voltarei a esse tema, jogando mais luz nos resultados financeiros da base, uma das falácias mais irritantes desses últimos 10-11 anos.
A opacidade nos impede de determinar as perdas de cada unidade de negócio de forma confiável. Vejam a nota que inseri acima e leiam as premissas de rateio. O que seriam aqueles custos compartilhados? Entraram valores rateados na apuração dos resultados segmentados?
A nota explicativa não explica nada. Gera revolta contra as unidades e no fim do dia, uma base cara, um futebol profissional cheio de transações estranhas e salários elevadíssimos, um inútil projeto de aspirantes, e sobretudo um BackOffice com salários nababescos acabam passando desapercebidos.
Notem, portanto, como essas campanhas e suas chapas acabam trabalhando para perenizar os problemas e ajudam a ocultá-los, mantendo fora do debate aquilo que precisa ser de fato solucionado.
Parece ter método.
O modelo associativo é incapaz de entregar as mudanças necessárias para o resgate do futebol do Fluminense.
O QUE DEVERIA SER PROMETIDO…
Todo esse papo de segregar e tornar autossustentável deveria ser deixado de lado. Segregar não vai fazer aparecer dinheiro do céu, nem pra financiar as unidades deficitárias, muito menos para descontinuá-las. Toda unidade a ser descontinuada implica em custos de indenização diversos e desmobilização.
É preciso apresentar um plano de cisão do futebol e da unidade de esportes olímpicos, vis-à-vis um downgrade da unidade social, tornando-os clientes ou do futebol, ou de práticas olímpicas, ou de terceiros que tornem a sede de fato rentável. Opções de lazer e saúde deveriam ser terceirizadas para quem sabe e não para gestores que emergem do amadorismo do quadro social. Players estabelecidos que já sabem atender as necessidades de anseios das novas gerações e tendências atuais. Somos um clube de futebol e temos que pensar e gastar tempo em futebol.
O estádio, por sua vez, tem n destinações possíveis. Em todas elas, visando a rentabilidade, questões históricas e de apego pessoal deveriam ser deixadas de lado, respeitando os limites do tombamento, pelo menos enquanto eles existirem.
Uma arena multiuso que proporcionasse bastante receita fora do futebol seria algo válido nessas promessas eleitorais ou planos de transformação. Reformar para atender a futebol e só futebol seria mais um erro.
Essas questões de tombamento são restritivas, mas naquela live do projeto Laranjeiras XXI ficou muito claro que há espaço de sobra para repensar o seu uso muito além do futebol.
Os lounges, shows, festas e eventos, dariam muito mais dinheiro que abrigar jogos do deficitário Carioca, ou os da base e futebol feminino, todos sem renda e cotas de TV. Se estamos amarrados ao estádio pelos tombamentos e sua alienação é quase impossível, é preciso rentabilizar a sede histórica e o estádio pensando fora da caixa e atropelando o modelo associativo parasitário.
Mas isso tudo não dariam votos ou assinaturas de uma chapa.