Essa edição condensa uma sequência enorme de tweets formulados sobre a Lei 14.193/21 (PL5516), que trata da transformação dos clubes de futebol em Sociedades Anônimas de Futebol.
Tudo foi publicado no perfil @fluconomics e está sendo arquivado aqui para uso futuro e facilitar a leitura de quem se proponha a gastar mais de 20 minutos lendo tudo que escrevi.
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ÍNDICE
As postagens no Twitter foram feitas em seis blocos:
- Introdução (#LEI14193 INTRO)
- Futebol Feminino (#LEI14193 PARTE 1)
- Modelos associativos eternizados (#LEI14193 PARTE 2)
- Governança, obrigações da SAF e regime centralizador de execuções (#LEI14193 PARTE 3)
- PDE, mais um jabuti (#LEI14193 – PARTE 4)
- Tributação Específica do Futebol (#LEI14193 – PARTE 5)
- “Dinheiro dos Outros” (#LEI14193 PARTE 6)
Introdução
Essa ladainha de projeto de lei para instituir os clubes empresa é bem antiga.
Pelo menos 80% do que foi sancionado pelo Presidente Bolsonaro uns dias atrás faz parte de um projeto do deputado Otavio Leite.
Nós comemos mosca. O deputado Otavio Leite é um parlamentar acessível e que costuma ouvir todo mundo. Poderíamos ter tentado sensibilizá-lo para resolver o problema dos modelos associativos e das imposições operacionais que trarão despesas anuais elevadas. Ou pelo menos ter evitado que o modelo associativo ficasse ainda mais forte e protegido.
Apesar de não ser um projeto que originalmente atenderia os anseios de uma verdadeira transformação sem modelos associativos, ele foi sendo piorado através 2 intervenções, a primeira pelo deputado Pedro Paulo, sob forte influência dos gestores amadores dos clubes de futebol, e agora pelo senador Carlos Portinho, que é o próprio modelo associativo dos clubes empossado no Senado.
Um senador que entrou pela janela, mais uma mazela do nosso patético sistema político, cada dia mais ilegítimo (para os fãs de Max Weber).
Se você não conhece Weber, veja um preview aqui. Recomendo fortemente que leiam ao menos parte de suas obras. Me obrigaram a fazer isso no primeiro período da faculdade e me fez muito bem.
Se num primeiro momento, articuladores que tornaram os clubes de futebol mais um braço de política partidária, ocupando VPs, mexeram seus pauzinhos para levar dirigentes para reuniões com o deputado Pedro Paulo, a conclusão do Projeto de Lei ocorreu sob a tutela de um ex-VP de clube, conselheiro e prestador de serviços jurídicos (na área esportiva) para os modelos associativos. Não tem como dar certo.
Entendo que vivemos uma situação óbvia: quem levou os clubes a insolvência não os tirarão do lamaçal que se encontram.
Essas pessoas formaram déficits crescentes, endividaram os clubes, os tornaram devedores contumaz, sonegadores recorrentes, desperdiçaram 3 programas de resgate (REFIS, Timemania e PROFUT), estão desperdiçando o 4º programa (mecanismo de transação) e agora vem com esse lance “mágico” de SAF, um papo torto entre modelos associativos que existe desde que a Premier League foi fundada no início da década de 90.
Modelos associativos criam esses factoides atrás de dinheiro novo. Invariavelmente esse dinheiro novo é público, mas nesse projeto, há uma certa ousadia em atrair a parte privada para o socorro de uma infinidade de clubes em processo de insolvência.
Ou ainda pior, permitir que os credores privados, a maioria agentes, criem meios de participar formalmente dos negócios que eles já controlam ou que se dê alguma liquidez que os permitam voltar a receber os valores em aberto.
Esse projeto de lei é sancionado num momento de extrema fraqueza do Governo Bolsonaro, que nessa área de futebol, sofre clara influência do player dominante do mercado. Me parece uma cortina de fumaça que custará ainda mais caro a sobrevivência do futebol brasileiro. O Governo vetou algumas partes do PL 5.516 e eu vou abordar cada um deles ao longo do texto. O desfecho desses vetos é imprevisível no momento.
Mas para não parecer que é mera implicância, vamos a análise da nova Lei 14.193.
Futebol Feminino
O primeiro artigo já vem com um jabuti pesado, colocado lá no alto da árvore: “Constitui Sociedade Anônima do Futebol a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas desta Lei e, subsidiariamente, às disposições da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998.
E no segundo artigo, em I e II condiciona de vez.
Futebol feminino é notoriamente deficitário. Então o suposto marco regulatório da transformação começa revalidando a manutenção, compulsoria, uma prática que gera déficits, com um projeto de lei perneta, como veremos ao longo do texto.
Aqui é FLUCONOMiCS, então vamos começar exemplificando com o que ocorre no Fluminense.
Para começar, o time feminino é integralmente registrado como sendo de atletas amadoras (consulte o BIRA e veja).
Existem 3 categorias de registros:
- Amadores: onde elas se encontram, sendo remuneradas com bolsas. Elas estão no mesmo bolo de jogadores com idade inferior a 16 anos;
- Amador com contrato de formação: jogadores do masculino em processo de encarreiramento para o profissional (os primeiros contratos podem ser celebrados a partir dos 16 anos); e
- Jogadores profissionais.
Em 2020 foi apurado um déficit na prática de Futebol Feminino de $1.8 milhões, $500 mil a mais que o déficit de 2019, no montante de $1.4 milhões. Há uma receita de 63 mil reais em 2020 e não há receita desse segmento em 2019.
Não me perguntem como chegamos a gastos tão elevados. Eu contei 61 atletas amadoras do Feminino, registradas no BIRA. Dividindo o gasto anual pelo número de atletas chegamos a custo per capita de $31.8 mil. Elas não recebem 6 dígitos por mês.
Segundo reportagem de 2017 da Gabriela Moreira, os salários/bolsas do futebol feminino eram baixíssimos no Brasil.
Dois anos depois temos mais uma reportagem que indica que a situação não é muito diferente da apontada originalmente pela Gabriela. A reportagem da Veja diz que a remuneração do futebol feminino, em 2019, equivale a de jogadores da 3ª divisão.
E isso tudo não é um problema exclusivo do Brasil (clique aqui).
Considerando que as atletas ainda são categorizadas como amadoras no BIRA, é bem possível que os valores sigam extremamente baixos, logo temos muitos custos operacionais jogando isso para cima, bem como custos de competição, que também devem ser deficitárias, além dos gestores, que sempre custam muito mais caro que os amadores em qualquer prática.
Já seria complicado conviver com esse antagonismo entre SAF, futebol profissional e todo bla bla bla me engana que eu gosto que é inerente, afinal estamos falando de uma categoria amadora sem perspectiva de encarreiramento e acesso a indústria da bola em sua plenitude. Um segmento, sobretudo, sem receitas.
Mas nesse contexto de marco e transformação, de salvar os clubes, esse jabuti já nos obrigará a realocar quase $2 milhões de reais de outra área (lembrem-se que o futebol profissional representa muito mais que 90% das receitas) para custear a prática.
Pelo estágio que se encontra, o Futebol Feminino deveria fazer parte de um bloco de medidas que contemplem esportes olímpicos e não ser inserido no modelo de futebol profissional. Num mundo ideal, todas as práticas amadoras estariam em outro CNPJ, com vida própria, sem qualquer ligação com futebol profissional.
Isso pode causar uma fúria em redes sociais, mas a abordagem por aqui é sempre técnica. Antes de saírem me xingando, reflitam. Não existe almoço grátis e sempre tem alguém pagando a internet e o Iphone do ativista que acha que tudo precisa ser do jeito que eles querem. Gerações passadas foram educadas com a máxima do querer não é poder, em algum momento isso se perdeu no processo de formação das pessoas e vivemos esses dias de cancelamento e muita encheção de saco.
Se você olha para o fluxo de caixa de um clube como o Fluminense, sabe perfeitamente o suplício que representa achar 2 milhões de reais para ser realocado em atividade sem retorno financeiro. É mais um complicador, antes, durante e depois de qualquer esforço de restruturação.
Vamos trabalhar na seguinte hipótese: eu estou redondamente enganado e a #LEI14193 irá proporcionar o saneamento dos clubes de futebol no Brasil, iniciando uma era de prosperidade e boa gestão.
O Futebol feminino, pelo menos no Fluminense, irá contribuir, em base anual, na formação de 2 milhões de déficit operacional a ser financiado de alguma maneira, seja por realocação de recursos, seja por nova formação de dívida.
A #LEI14193 traz custos e despesas compulsórios, mas não o faz com relação as receitas. Nesse mundo de arbitrariedades desse projeto, faltou abusar um pouco mais e obrigar as TVs a transmitir e sobretudo remunerar as transmissões do futebol feminino, nem que fosse de forma incentivada, por mais absurdo que um incentivo seria a luz do uso do dinheiro do contribuinte que vive num país que não tem sequer saneamento básico para toda sua população.
Vamos seguir no brainstorm virtual: eu posso estar errado e isso tudo vai fomentar o desenvolvimento natural do futebol feminino.
Aqui entra a parte mais complicada. Futebol está vivendo uma séria crise mercadológica.
A combinação de múltiplas e extremamente acessíveis formas de entretenimento, e o comportamento dessas novas gerações, vem causando perda de market share da indústria da bola como um todo.
No caso brasileiro ainda há o movimento de perder torcedores para os grandes times da Europa.
Então estamos falando de achar espaço e audiência numa grade apertada e cheia de concorrência. Empiricamente falando, me parece que o futebol feminino é desses eventos olímpicos que chamam a atenção de 4 em 4 anos. Assistimos um esforço colossal durante a última Copa do Mundo feminina para tentar emplacar o exporte, mas pelo menos por aqui virou gasolina para o infindável incêndio da polarização. E nesse contexto da polarização, o sucesso comercial da prática fica ainda mais complicado.
Como disse no início, o futebol feminino deveria ser tratado a parte, em função da sua própria natureza e estágio de desenvolvimento, pela sazonalidade de interesse do público e tudo mais.
Eu entendo que é um movimento equivocado meter o futebol feminino nessa confusão de futebol (nada) profissional do Brasil. É uma questão de tempo passarem a culpar esses gastos por má performance. Ele será agregado as demais críticas que servem tanto para narrativa política como críticas embasadas de mal uso e realocação de receitas originárias do futebol profissional masculino. Aumenta a antipatia, prejudica a atratividade comercial.
Fora o fato que não tem como sanear algo criando déficits e tornando eles compulsórios.
O futebol europeu feminino está se desenvolvendo de alguma forma, não tem a audiência nem gera grandes receitas, seu mercado de transferências é irrelevante, mas eles contam com aportes da UEFA.
Não há como comparar a riqueza do futebol europeu com o Brasil. Perdemos garotos cada vez mais cedo e por menos dinheiro porque nossos clubes são mal geridos ao extremo.
Essa porcaria de Lei não criou meios de sustentar as práticas de futebol feminino.
Jogou a sorte delas a mercê de gestores amadores que sequer conseguem tocar de forma satisfatória um negócio simples e milionário como o futebol. E de quebra tornou compulsórias despesas anuais milionárias aos clubes de futebol.
Parabéns a todos os envolvidos! Não chegarão a lugar algum.
Modelo Associativo eternizado
Chegamos na SEÇÃO II
Cada artigo uma armadilha.
No 2º temos as hipóteses de conversão para SAF, deixando bem claro que há sucessão. Isso veda uma das melhores janelas com jurisprudência para o real saneamento dos clubes em vez de mantê-los operando, sonegando e aumentando suas dívidas.
Se um negócio só gera perdas, diretas e indiretas (arrecadação de impostos, por exemplo), ele precisa ser corrigido. Isso implica que ele pare de operar ou que se reinvente por completo, estancando as perdas.
Aqui nem se aplica a história do copo pela metade, afinal os clubes falharam em todos os programas de socorro recentes. A porra do copo está vazio e rachado.
A dinâmica por trás desses socorros e seus perdões sempre foi dar sobrevida ao futebol. O custo dessas operações era justificado pelo seu potencial de geração de renda e tributos, mas na prática, salvo raríssimas exceções, os clubes só pioram seu endividamento público e privado. Dívidas trabalhistas e cíveis nunca tiveram redução em todos esses programas.
Então o político, no caso parte e alimentado pelo modelo associativo, olha para o copo (vazio e rachado) e vislumbra, num exercício que transcende a utopia, que ele está meio cheio e que pode até transbordar num futuro próximo. Balela.
Mas quem nos dera que os problemas acabassem por aí.
O caso do item I é utópico. Ao longo dos meses vocês perceberão que uma minoria de times vai caminhar nesse sentido, pois esse é o cenário onde o modelo associativo vira pó, é uma mera questão de tempo dependendo da transição a ser adotada.
O item II é o maior pesadelo de todos. Criam um modelo a partir da cisão do centro de custo de futebol e ele terá que remunerar o modelo associativo (vide § 2o – II). Qual a diferença, nesse caso, para todos os demais programas que deram errado? Nenhuma.
Ele até agrava essa situação de financiamento de centros de custos deficitários, pois hoje o clube tem a “flexibilidade” de ir não pagando e atrasando seus compromissos em outras áreas sem que isso gere judicialização entre os centros de custo.
A partir do momento que se cria duas unidades de negócios nessa cisão e os valores de custeio passam a ser contratados, o que acontecerá na prática?
Os déficits sociais e olímpicos seguirão sendo formados, pois são atividades fadadas a insuficiência financeira. Tanto pela natureza dos esportes amadores, sem grandes receitas de TV e patrocínios, seja pela caducidade do modelo de lazer e convívio em clubes de bairro.
O contrato vai estabelecer uma remuneração do futebol SAF para o clube social e olímpico. Ainda não existirão recursos suficientes para ser competitivo ou até mesmo sobreviver, as contas atrasarão da mesma forma, e além dos processos pelos inúmeros calotes com prestadores de serviços, fornecedores e colaboradores, o centro de custo deficitário terá elementos para processar o futebol.
O futebol será solidário a toda essa formação de dívida, de uma forma ou de outra, e no fim do dia aumentarão os gastos com departamentos jurídicos, custos processuais, multas e honorários. É um tiro no pé colossal.
Nós já temos algumas poucas experiências de terceirização do futebol a investidores no Brasil. Nenhuma deu certo, uma delas é pioneira num pedido de recuperação judicial, a meu ver, sem pé nem cabeça.
Notem a necessidade de diversos arranjos na distribuição e uso de instalações, como reformas estatutárias que podem perpetuar ainda os poderes dos modelos associativos nos rumos da SAF.
O item II da #LEI14193 é uma das maiores enganações de todos os tempos. Parafraseando Fernando Collor, “o tempo é o senhor da razão”. Me cobrem se eu estiver errado daqui uns 2 anos, como aconteceu em todo ciclo pós-programa de socorro público.
Sobre o item III, essa foi a primeira forma que a indústria da bola brazuca reagiu a criação da Premier League. Se eu for escrever sobre todos esses projetos com fundos no final da década de 90 e início dos anos 2000 agora, publicarei um livro. O que eu posso dizer e isso pode ser confirmado por quem viveu essa época, é que todos os clubes com investidores saíram desses projetos mais pobres, endividados e cheios de problema.
Estou escrevendo sobre lavagem de dinheiro através do futebol, se você se tornar assinante poderá entender isso tudo um pouco melhor a partir de outubro.
Governança, Obrigações e RCE
Na parte de governança notamos que eles criaram mais regras, mas tudo é muito parecido, em essência, com o PROFUT, que notoriamente deu errado, tanto que criaram essa #LEI14193.
Algumas coisas chamam a atenção.
Eles proíbem um investidor ter voz ativa em mais de um clube. Aliás dois trechos extremamente confusos e mal escritos:
Parágrafo único. O acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total da Sociedade Anônima do Futebol, sem a controlar, se participar do capital social de outra Sociedade Anônima do Futebol, não terá direito a voz nem a voto nas assembleias gerais, nem poderá participar da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada.
Eu tento ver isso na prática e só imagino todos esses empresários credores com participações minoritárias em vários clubes (integralizando capital a partir dos milhões de dívidas contraídas pelos modelos associativos).
Eles já têm forte influência nas gestões sem exercer qualquer tipo de cargo ou indicação. Chega a dar vontade de rir esse trecho do PL. Coisa de quem não entende nada ou é muito cínico.
Com relação a participação ativa e a vedação, pode fazer sentido, esportivamente, ao míope. No âmbito nacional é mitigado algum potencial conflito de interesse, mas é inócuo, esportivamente, no âmbito continental.
Eu entendo que há excesso de clubes de futebol no Brasil, o #PL5516 poderia ser uma ferramenta que fomentasse uma consolidação de clubes ou até mesmo permitir que um investidor tenha uma maior capilaridade em um país com dimensões continentais e mercados distintos dentro do Brasil.
Lembrem-se, por exemplo, dos grandes clubes europeus que tem times B atuando dentro do mesmo país. Poderiam ter replicado isso por aqui para ampliar o leque de resgate e melhoria da indústria como o todo, mas acaba reforçando a impressão que não passa de mais um programa de socorro para salvar as mesmas figurinhas carimbadas de sempre e esse modelo associativo, promíscuo com a política, que destrói paulatinamente o futebol brasileiro.
Tudo foi modelado a garantir o status quo. A SAF não passa de manobra para “dinheiro novo”, já que os modelos associativos exauriram todas suas reservas.
Há uma lista de vedação na composição dos conselhos da SAF. Aí você lembra do fiscal da receita que presidiu o Fluminense. Lamento desde já se causei problemas as pessoas que têm incontinência urinária com crises de riso. Na hora H criam os mais diversos artifícios e esses conselhos entubam as pessoas mesmo com qualquer tipo de vedação.
Há outra potencial confusão: Não poderá́ receber nenhuma remuneração o membro do conselho de administração que cumulativamente for associado e integrar qualquer órgão, eletivo ou não, de administração, deliberação ou fiscalização do clube ou pessoa jurídica original enquanto esse for acionista da respectiva Sociedade Anônima do Futebol.
Ser tricolor é um problema sério. Você lê essas regras e recorda que tudo isso é atropelado nessas deliberações internas.
Uma única parte me pareceu positiva: O clube ou pessoa jurídica original que esteja em recuperação judicial, extrajudicial ou no Regime Centralizado de Execuções, a que se refere esta Lei, deverá manter em seu sítio eletrônico relação ordenada de seus credores, atualizadas mensalmente.
Mas os clubes não precisam de um Projeto de Lei e toda uma transformação para serem transparentes. Os atuais modelos associativos, se não tivessem nada para esconder, já teriam disponibilizado essas listagens. Ainda mais os que tem portal de “transparência”.
Se você precisa de uma Lei para obrigar a transparência básica, você está resgatando o negócio através das pessoas erradas.
Na parte de obrigações, a conta começa a aparecer:
Art. 10.
O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:
I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do art. 13 desta Lei;
II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.
Voltemos ao Fluminense para elaborar um breve exercício teórico:
O item II nunca acontecerá, pois geramos déficits operacionais de forma frequente.
Então o modelo associativo teria direito a 20% das receitas?
Em 2020 a receita líquida do futebol foi, de forma pitoresca, $171 milhões.
Então $36.6 milhões seriam destinados ao clube social e a prática olímpica, que somados a suas próprias receitas, chegariam próximos a $49 milhões de reais. De $12.3mi eles pulariam para $49 mi.
Eu não preciso comentar mais nada…
É um exercício, os percentuais podem ser diferentes, mas para quem conhece os meandros dessa indústria da bola brazuca, essa parte da lei é o melhor atalho para a facada do modelo associativo.
O modelo teria um superávit de $34mi, 100% hipotético, pois na medida que sua receita aumente, seus gastos seguirão na mesma proporção.
Eles pagariam as obrigações acordadas na cisão? Para que?
O futebol seria solidário e dá pra amarrar, em um novo estatuto com lastro nas regras dessa Lei cretina, a mesma relação de submissão política atual.
O processo de transformação da indústria da bola passa necessariamente pela exclusão desses modelos associativos, pelo menos nos casos em que os clubes apresentam déficit de forma constante, suas dívidas não param de crescer e toda semana aparece um novo processo de calote.
Não podemos levar em consideração os poucos modelos associativos superavitários que existem por aí. Primeiro em função de alguns deles serem superavitários e dominantes em função de disparidade de receita, doping financeiro e atratividade a mídia em função da quantidade de torcedores. Segundo, e principalmente, porque mesmos os superavitários apuram déficits em vários centros de custos em decorrência da política dos seus modelos associativos.
A cobertura jornalística é míope nesse sentido, e tem ficado bem pior a cada ano. Tem superávit é uma das maravilhas do mundo, sem sequer apontar que o superávit X poderia ser 1.5X ou 2X sem os déficits originados pelos modelos associativos.
Agora se comemora que reduziram déficit. Em alguns casos em que a redução foi mero artifício contábil e o déficit de caixa aumentou grotescamente.
Esse tipo de mídia está elogiando o Projeto de Lei que eu estou descendo a lenha…
Regime Centralizado de Execuções
A #LEI14193 ainda traz esse regime centralizador de execuções, na prática um Ato Trabalhista para todo e qualquer tipo de dívida. O prazo de parcelamento, com a receita sendo mordida religiosamente pelas execuções, é de 6 anos. Complicou para aquela invenção dos 9 anos.
Eu desafio vocês a equacionarem o pagamento das dívidas privadas que a maioria dos grandes clubes acumulou em somente 6 anos. Nem que eles existissem somente para pagar dívidas isso seria exequível.
Estamos criando mais um factoide, que vai dar uns meses de folêgo e incrementar as dívidas. Fora a necessidade de um segundo marco regulatório híper transformador do futebol brasileiro. Isso cansa.
Debêntures
O Governo Federal vetou a tributação proposta.
Sobre debentures eu vou me abster. A última vez que vi isso dentro do futebol eram as da VALE que o Eurico registrou no balanço. Uma longa história.
Não tenho perfil para falar sobre isso, não invisto em debentures, ainda mais de clubes. Aliás eu não coloco um centavo onde há modelo associativo. Até de plano de saúde eu tô correndo de modelos associativos e cooperativas em geral. Tem eleição? Não vê um centavo meu.
Isso aqui me parece aquela máxima que todo dia sai um esperto e um trouxa e eles se encontram furtivamente na rua. Vamos seguir!
Debentures is the new FDIC (Só os fortes entenderão).
Sobre demais vetos nessa parte da Lei
O Governo abusou do contorcionismo para vetar o artigo 6, que tratava de transparência sobre os quotistas/investidores. Usam um argumento de isonomia, mas futebol tem um funcionamento peculiar endossado pelas autoridades, logo não cabe argumentar nesse sentido.
Me causa espanto esse esforço para ocultar quem são os investidores das SAFs.
A situação piora na argumentação do veto do artigo 8. O Governo se esforça para ocultar os investidores. Isso é muito estranho, ainda mais considerando o histórico de problemas entre fundos de investimento e futebol no Brasil.
Vetos muito fedorentos.
Há um veto a meu ver correto, que impede que as SAFs saiam emitindo qualquer tipo de título ou valor imobiliário. Aqui prevale o ditado popular que não se deve dar asa a cobra, entretanto, deram nos dois vetos supracitados. Dois pesos e duas medidas.
PDE, mais um jabuti
A #LEI14193 traz mais gastos compulsórios as SAFs, é inacreditável.
Querem transformar clubes de futebol em OS/ONGs das atribuições da coisa pública. E a reboque a falácia de projetos incentivados, num ambiente onde as dívidas públicas surgem num piscar de olhos e as CNDs vão para o espaço, inviabilizando essa forma de arrecadação.
Um me engana que eu gosto com força. Perderam o limite aqui e o modelo associativo deixou todas as digitais da sua influência na redação do projeto. Essa ladainha de projeto incentivado é típica de modelo associativo desde que o mundo é mundo.
Os projetos incentivados foram vetados, pelo menos por enquanto.
Tributação Específica do Futebol
E aqui vem a parte da lei que será usada como desculpa por muita gente para não aderir a “revolucionária” #LEI14193. As SAFs pagarão IRPJ e CSLL, Cofins e PIS a uma tarifa única de 5% nos 5 primeiros anos. E pasmem, ela caí para 4º a partir do 6º ano.
Bom, pelo menos é o que era previsto no Projeto de Lei, mas essa parte foi vetada. Estamos numa zona de sombra e indefinição.
Farei comentários com base no texto do projeto.
Hoje em dia os clubes, associações “sem fins lucrativos”, algumas delas com receita próxima a 1 bilhão, não pagam IRPJ e CSLL.
O PIS/Cofins são pagos atualmente a alíquota de 1% e serão agrupados nesse bolo. Na prática esse 1% tem que ser deduzido da nova tributação de 5% que cairá para 4% depois do 6º ano. Eu, pessoalmente, duvido que isso ainda esteja vigente no 6º ano. Estaremos vivendo o declínio de um 2º programa de recuperação pós #LEI14193.
Dívida pública em aberto na adesão a SAF serão tratadas pelo mecanismo de transação, o que já vem acontecendo hoje em dia.
Não tem cabimento um negócio como o futebol ter tributação reduzida. Isso é demagogia às custas do contribuinte. Milhões e milhões de euros em transações a serem tributados com alíquotas reduzidas.
Notem que o computo do tributo é a receita, então continuaremos com os gastos dos clubes de futebol sem fiscalização efetiva.
“Dinheiro dos outros”
O grande problema nesse projeto, como disse no início dessa thread monstruosa, é que ele parte de pessoas habituadas a torrar o dinheiro alheio. Políticos, líderes dos modelos associativos e até mesmo o torcedor médio, acham que dinheiro nasce em árvore e que é ilimitado.
Então dá para passar a entender todos esses penduricalhos de despesas compulsórias que o projeto traz, a preservação dos modelos associativos parasitários e até mesmo a cretina tributação diferenciada, ultrajante em diversos aspectos na medida que vivemos num país em desenvolvimento cheio de mazelas que precisam ser endereçadas e corrigidas no curto prazo.
São inúmeros programas de socorro que na prática foram financiados com recursos do contribuinte e muito custo de oportunidade, pensando em termos de prioridade de uso de recurso público.
Eu não vejo mérito algum em ganhar 5% ou 4% de receita de impostos adicional (extremamente duvidosa considerando que os clubes são sonegadores em sua imensa maioria) e eternizar um tratamento tributário diferenciado para algo que não passa de entretenimento, especulação e investimento.
Toda cadeia em volta das SAFs será tributada de forma diferente, bem maior, e com o tempo ainda veremos nascer teses para equiparar todo mundo.
Se a idéia era privatizar o futebol, optaram por travestir o velho lobo do modelo associativo de ovelha. Caberia ao governo se limitar a impor o fim desses modelos associativos, imunes de todas as formas possíveis e imagináveis, da cadeia de comando de um industria bilionária.
E aí, esses players privados, amarrarem toda nova legislação as modernas práticas que vemos no resto do mundo.
O 7×1 não acabou.