A mais recente thread #DARKSiDE está focada em mostrar como os borderôs das partidas de futebol são mera desinformação. Na edição anterior discutimos que o público pagante informado não é o correto e introduzimos uma questão que implica em pagar maiores valores na taxa cobrada pela Federação.
A segunda parte vai tratar de problemas na apuração de receita nos borderôs e na construção dos rankings que estamos acostumados a ver na mídia.
OS EFEITOS DOS PROGRAMAS DE SÓCIO FUTEBOL (1) NAS RECEITAS REPORTADAS
No caso do Fluminense, nós temos 4 categorias distintas de sócios futebol que tem direito a acesso aos jogos e são tratadas de forma individual nos borderôs:
- Sócios dos programas família
- Sócios futebol (independente do plano)
- Sócio contribuinte com pacote futebol
- Guerreiros
Vamos esquecer que existem vários planos com valores distintos e descontos, como podemos observar no quadro abaixo, retirado do site do Fluminense:
A receita real de um usuário do programa de sócio de futebol deveria ser obtida de forma pro-rata, ou seja, o valor líquido arrecadado no programa, deveria ser dividido pela quantidade de jogos/acessos no mês de competência para então apurar o valor correto de receita arrecadada.
Um exemplo teórico, uma vez que desconhecemos os custos e comissões inerentes ao programa de sócio futebol:
- Sócio Arquiba 100% desembolsa 85 reais por mês;
- Dos 85 reais, o programa de Sócio Futebol consome em comissões uns 5 reais de comissões.
- Os 80 reais líquidos precisariam ser divididos pela quantidade de jogos no mês. Vamos supor que sejam 4 jogos, logo a receita pro-rata seria igual aos 20 que aparecem no borderô.
- Mas se fossem 5 jogos, a receita liquida pro-rata seria 16. No caso de 3 jogos, quase 27 reais. Aquele valor de 20 é constante, não há cálculo.
Imaginem então que todos os esses planos tem peculiaridades e que a receita pro-rata será distinta ao longo dos meses. O borderô saí arbitrando valores ao longo do ano, criando diferenças entre o encaixe real e a “arrecadação” oficial dos jogos.
No caso dos planos onde o desconto é parcial, caberia ainda considerar no cálculo o desembolso em cada partida, o que obviamente resultaria em valores divergentes dos utilizados nos borderôs ao longo do ano.
Nos planos especiais, a chance de divergência no borderô cresce exponencialmente.
Vejam o Leste Raiz, 35 reais por mês. Vamos supor que o líquido resulte em 32, com um cenário de 4 jogos, resultaria num pro-rata de 8/partida. O acesso é precificado a 40 reais no borderô. Notem que se o sócio leste raiz for a uma única partida, ainda assim haverá superavaliação da sua receita no borderô.
Cada caso pode gerar receitas a maior e a menor. Enfim, dá pra ver com extrema facilidade que essa parte da receita reportada está completamente furada.
Sobre todos esses valores arbitrados incidem 5% de INSS, que também incidem sobre a arrecadação bruta dos programas de sócio futebol. Há um risco enorme de duplicidade nesse caso. A opacidade nos impede de ir muito a fundo nesse ponto, mas é uma red flag.
MARACANÃ MAIS PROMOCIONAL (2)
Acessos promocionais não são pagos.
Reza a lenda que essa cota de ingressos ao setor Maracanã Mais é dedicada a familiares e amigos de atletas e comissão técnica.
Todo e qualquer acesso dito promocional é ajustado no quadro de despesas, mas essa rubrica Maracanã Mais é esquecida:
O resultado prático é que o resultado apurado ao final do borderô fica superavaliado pela inexistência desse ajuste.
Há uma discussão adicional sobre fringe benefit por aqui, mas além de não ser pertinente ao assunto da thread, iria requer exame dos contratos dos jogadores. Fica o registro de mais uma red flag.
INGRESSO E CAMAROTE PROMOCIONAIS (3)
Aqui voltamos aquela situação da red pill da edição 74.
Se acessos promocionais a arquibancada, vulgarmente conhecidos como cortesias, não geram receita e são ajustados, qual motivo valorizá-los a 12 reais? Em outras partidas esse valor arbitrado já foi bem maior que 12.
Como é ajustado na despesa, como vimos na ilustração acima, ele não faz parte da receita real da partida. É valorizado para gerar taxa FERJ, só isso.
Todo e qualquer ranking de arrecadação que não expurgue efeitos de cortesias está furado, pois essa receita, valorizada de diversas formas por cada clube, é arbitrada e não tem encaixe.
A questão dos camarotes é ainda pior. Entram no quadro de receita, são expurgados no quadro de despesas, mas geram uma receita fora do borderô que (i) não tem controle, (ii) não tem rastro, (iii) que desconhecemos os critérios de rateio entre consórcio, clubes e intermediários.
É a cereja do bolo no quesito rankings furados sobre arrecadação de receita no futebol brasileiro.
CATIVAS, TRIBUNAS E GRATUIDADE (4)
Cadeiras cativas são um rolo histórico. Sem entrar no mérito dessa discussão, eu considero necessário expurgá-las de rankings de público, pois esse tipo de acesso não é uniforme em todos os estádios.
A tribuna também é peculiar, como vimos recentemente nas discussões sobre a nova licitação do Maracanã, dizem respeito a acessos contratuais que não serão comparáveis a outras partidas em outros estádios.
As regras de gratuidade também variam em cada Estado.
A luz da construção de um ranking comparável de público pagante e presente, esses três itens deveriam ser expurgados.
INGRESSOS NÃO UTILIZADOS (5)
Esse último ponto não tem muito a ver com receita mal informada, ou acréscimo da taxa FERJ sem lastro em encaixes, nem tributação potencialmente em duplicidade, muito menos com a formação dos rankings, que como vimos até agora, são todos errados.
O futebol carioca tem essa característica de apresentar uma alta devolução de ingressos, principalmente em jogos de menor apelo.
No borderô em análise isso se origina em duas frentes:
- Sócios que fazem reservas dos ingressos e não os utilizam: 2.606 na Sul no programa do pacote futebol de sócios contribuintes e proprietários; 247 na leste inferior e 91 na leste superior na mesma categoria; e 44 sócios futebol no setor Maracanã Mais.
- Na devolução de cortesias e na não ocupação da carga máxima de camarotes.
Fica evidente que o processo precisa ser otimizado em todas essas frentes.
No caso de reservas não utilizadas, em jogos sem apelo elas são indiferentes. Mas nas partidas com elevada demanda, isso provoca aquelas reaberturas de vendas e muita frustração.
As cargas de cortesias de setores da arquibancada deveriam ser revistas. A meu ver anuladas, mas isso é uma discussão bem mais ampla. Mas é notório que se destinam ingressos de forma excessiva para cortesia. Nesses jogos sem apelo, geram devoluções significativas, nos com apelo, não passa de renúncia de receita.
Na próxima edição, vamos tratar do quadro de despesas.
Até lá!
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