Quando comecei a escrever a newsletter, precisei de três edições para apresentar as minhas credenciais. Na época dividi nas seguintes partes: como me tornei auditor, minha experiência investigativa e no futebol e como me relacionei profissionalmente com o Fluminense nessa época.
Por aqui vou ser mais conciso em algumas partes e atualizar os textos. Quem tiver interesse em ler essa história em mais detalhes, na versão original, visite a newsletter no Substack. São as edições #2, #3 e #4.
Ao longo desses 18 meses, uma crítica recorrente que recebi em redes sociais é que sempre me falta humildade, sobra arrogância em determinadas situações e reclamam até de um ar professoral.
Eu não vou tentar justificar algum excesso que tenha cometido, mas vou por em perspectiva o fato que trilhei um caminho muito longo, espinhoso, algumas vezes perigoso e altamente desafiante. E já são décadas nessa batida. Não convém medir as pessoas com base nas suas próprias experiências. E eu tenho certeza que os últimos quase 30 anos foram bem diferentes da imensa maioria das pessoas.
A única maneira de me credenciar a falar sobre finanças do Fluminense e sua gestão, bem como do Futebol como indústria, é contando um pouco sobre minha acidental carreira de auditor e posteriormente de consultor, especialista e líder de práticas de Investigações Corporativas, Forensic Accounting e Suporte em disputas e litígios.
Virei auditor por acidente, não há como negar. 90% da minha turma de trainees parecia desejar aquilo avidamente, mas eu nunca fui obcecado com isso. Me formei em Administração de Empresas pela PUC Rio e via todos meus colegas que entravam para a auditoria a partir do 5o e 6os períodos, desaparecerem das aulas e serem reprovados. Eu levava os estudos muito a sério para abandoná-los e, por não ser contador, aquilo não fazia muito sentido para mim.
Não tive êxito em dois processos de seleção de trainees para petrolíferas num espaço muito curto de tempo e isso me causou uma decepção profunda e quando eu cheguei na PUC, uma Big 6 estava recrutando. Acabei preenchendo a ficha meio que na base do desespero efui contratado, sem fazer muita força. Dei sorte da psicóloga ser tão maluca como eu e de um sócio inglês ter ido com a minha cara na entrevista final. Ele acabou me adotando profissionalmente e isso fez muita diferença na minha formação.
99% das pessoas que entram em auditorias externas, o fazem já pensando em sair. Eu não era diferente. Mas acabei ficando uma década inteira nessa Firma.
Uma das coisas que foi me fazendo ficar foi a precocidade na qual fui envolvido em trabalhos de natureza investigativa, de forma direta ou indireta. Naquela época não era um pecado capital um auditor procurar por problemas e irregularidades nos seus procedimentos e análises. E eu abusava nesse aspecto.
Antes de atingir o nível de sênior, eu já tinha tido experiências gratificantes em projetos numa prefeitura e alguns fundos de pensão altamente problemáticos. Naturalmente fui me especializando nessa área de diligências investigativas muito cedo.
Se por um lado eu me destacava tecnicamente, por outro tinha trocentos problemas de postura. Tenho até hoje, basta a paciência a acabar, embora com a idade tenha aprendido a esticá-la ao máximo.
O resultado prático é que eu aprendi e vive em outra rotação.
Na parte técnica tinha muitos treinamentos e uma experiência diferenciada, incomparável a qualquer outro segmento. E isso em dias que tinham até 16h de trabalho. Foram uns 10 anos trabalhando em média uma 11-12h por dia, levando muita coisa pra casa para não explodir orçamentos e tentar agregar algum valor.
E eu ainda tinha o aprendizado com os esporros homéricos que levava de forma periódica dos sócios em decorrência dos erros de julgamento de natureza comportamental.
Eu me alimentava desses esporros, não era uma relação sadia, mas trazia dividendos.
A cada esporro eu procurava melhorar tecnicamente, para balancear na avaliação final e sobreviver ao meu fã clube às avessas, que a cada ano aumentava, tanto interna como externamente.
Após exatos 10 anos, acabei sendo convidado a me retirar, numa canalhice ímpar. Demorei um bom tempo para digerir aquilo tudo mas entendo que aprendi horrores, em várias frentes.
Apesar de termos trocentos treinamentos obrigatórios, numa carga diferenciada de qualquer outra atividade profissional, eu sempre buscava adicionalmente material internacional que ficava pegando pó numa pseudo-biblioteca que ninguém usava. Me incomodava a forma como muita coisa era executada e sempre sobrou vontade de fazer as coisas diferentes, otimizadas, para exceder expectativas.
Eu descobri a existência desse material por acidente. Um outro sócio, esse brasileiro, me pediu pra traduzir um treinamento sobre fluxo de caixa. Quando eu fui buscar a pasta na biblioteca, vi que existiam dezenas de outras pastas.
Curioso nisso tudo é que a relação com esse sócio brasileiro no inicio foi bastante conturbada. Somente depois de uns 6 anos de Firma é que ele me adotou também. Outra pessoa que aprendi horrores, nem tanto tecnicamente a essa altura, mas pessoalmente e em questões de liderança, relações comerciais e tudo mais. Foi ele que me colocou no caminho certo e me deu destaque de fato na Firma. Gratidão eterna.
É bem curioso como alguns embates iniciais e alguns confrontos exacerbados criaram algumas das relações mais confiáveis. Provavelmente em função de se aliar franqueza com qualidade técnica. Num mundo de puxa-sacos, isso não deixa de ser um diferencial para pessoas bem resolvidas.
Durante o conturbado período sabático eu me dediquei ainda mais aos estudos de natureza investigativa. Tanto na parte contábil, como na parte tecnológica, achava aquilo tudo muito divertido, para vocês verem como ainda era imaturo e inconsequente. Já tinha experiência qualitativa anterior em alguns projetos bem famosos, que alimentaram o tal fã clube às avessas supracitado, e ainda assim segui nessa área. Trabalhar com investigação corporativa implica em múltiplos riscos, muito deles invisíveis e a margem da lei.
Quando você alterna projetos especiais de investigação com auditorias recorrentes e outros projetos não investigativos, você só tem ideia do glamour do investigador. Aquela figura mítica, que parece ter saído de um filme. A partir do momento que você só faz isso e passa a ter os projetos que a prática de auditoria entende serem mais arriscados que o tolerável (risco reputacional e operacional) , vem o choque. É preciso saber lidar com os riscos, ameaças e tudo mais.
Via de regra, lideranças dessas áreas se protegem não aparecendo no trabalho de campo. As pessoas no inicio de carreira tem ao seu lado a imaturidade para não sentir a pressão e os riscos. Mas eu nunca gostei de ficar de longe (exceto se envolvessem viagens para buracos insalubres), então sempre me mudava pra junto dos projetos full time. Transferia as demais atividades administrativas para ser executadas em campo, pois isso trazia vários benefícios. Acompanhar todas as execuções do projeto te permite ter um conhecimento muito mais amplo, evita ter que viver apagando incêndios, te faz conhecer do faxineiro ao presidente de uma organização, etc. Mas te expõe demais. O encarregado de campo sem suporte in loco tem aquela famosa desculpa padrão: quem mandou fazer isso foi o gerente/diretor/sócio. Se o gerente/diretor/sócio está ali na frente das pessoas, a vida do encarregado fica ainda mais fácil, pois vem todo mundo pra cima de quem supostamente manda mais e tem alçada para resolver os pepinos.
A essa altura eu tinha entrado para outra Big4, como auditor novamente. Mas acharam que eu não tinha mais perfil para auditoria, e sim para trabalhos de natureza investigativa. O ponto de ruptura ocorreu numa auditoria numa subsidiária de um petrolífera problemática, que uns anos depois seria conhecido como um dos maiores escândalos de corrupção do mundo. Eu não me ligo muito nesse caso, por incrível que pareça. A essa altura eu já tinha vivenciado dúzias de projetos que estamparam capas de revistas e meses e meses de noticias nas páginas criminais e de política dos jornais. Era mais um e até bem light, perto do que a vida ainda guardava de surpresas profissionais para mim.
E nessa hora que se consolidou minha experiência com clubes de futebol.
Também resolvi sair dessa Big4 e cometi um erro grotesco indo para outra. O erro durou um ano, uma história altamente conturbada que culminou numa das vitórias que mais me orgulho na vida. Mas é aquela história de sempre, é errando que se aprende. Finalmente desapeguei de grandes firmas de auditoria.
Continua na próxima postagem.