Eu tive a oportunidade de entrar em contato direto com gestões do Fluminense em duas ocasiões da minha vida profissional. Em nenhuma delas foram fechados contratos, portanto, não cabem qualquer questão de sigilo.
A primeira, ao final da gestão Horcades, numa oportunidade criada por um diretor de outra prática, tricolor doente, que inclusive viabilizou aquele primeiro ônibus VW para o Fluminense. Ciente dos projetos que estavam sendo feitos em clubes de futebol, conduzidos pela prática de Investigação que eu liderava no Rio de Janeiro, ele conseguiu provocar uma reunião com o Superintendente da Gestão e uma gerente bastante famosa do jurídico do Fluminense.
O contexto da reunião era uma demanda dessa superintendência frente ao enxovalhamento que ele e o Horcades vinham sofrendo sobre terem “endividado o Fluminense”. Ele deseja uma “auditoria” (nunca acertam e nunca acertarão esse pedido) da formação da dívida, pois o incremento, em grande parte, era devido a inclusão do Fluminense no primeiro programa de resgate dos clubes de futebol. Ou segundo se você considerar a primeira onda de REFIS.
A Timemania reconheceu dívidas de várias e várias gestões anteriores a do nosso pitoresco e boa praça Roberto Horcades. Sua gestão, como todas as demais, também gerou déficits correntes, Horcades nunca teve skills para gerir um clube de futebol, como a maioria das pessoas que o antecederam e o sucederam, mas o factoide lançado era que ele tinha formado toda centenas de milhões em dívidas sozinho.
Minha antipatia com o grupo político Flusócio nasceu justamente por causa desse factoide. Nem tanto pela manipulação e a narrativa em si, pois isso é inerente ao que chamam de política. Mas porque no entorno desse projeto de poder, se observava claramente figuras proeminentes de outros grupos históricos que formaram de fato a maior parte das dívidas consolidadas na Timemania. Na minha forma de ver, o discurso estava muito distante da prática desde o início.
Quase 3 longas horas de reunião, alguns dados contábeis, uns pedidos para receber mais dados, que nunca chegaram a ser enviados. O feedback oficioso é que resolveram deixar a “auditoria” de lado por questões políticas. De fato, se executado o projeto, seu resultado coincidiria com as datas do longo processo eleitoral. Um levantamento de dívida total e a composição da sua formação requerem alguns meses na execução, até pelo tempo despendido em pesquisas e confirmações de saldos, um processo excessivamente moroso no Brasil para qualquer segmento que você audite ou faça diligências.
Eu nunca acreditei nessa versão oficiosa, mas não fiquei remoendo. Vinha de um belo calote parcial em outro clube e não fazia muita questão de emendar dois seguidos.
Visitar clubes era uma constante. A maioria das visitas não resultavam sequer em apresentação de proposta. Ficava a impressão de que um queria copiar o outro e quando entendia o que seria feito e quais os efeitos colaterais dos resultados de uma diligência, rapidamente desistiam. Servia para ganhar camisas, mas no Fluminense não me deram nada e eu até imagino o motivo. Eu sou do tipo de torcedor que não veste camisas de outros times, então as distribuia por aí, para felicidade dos garçons que eram meus camaradas, ou para alguém que colecionava.
Voltando as visitas infrutíferas, de fato isso só é atrativo para quem está começando uma gestão e recebeu um abacaxi do seu antecessor. E desde que você não seja mais do mesmo travestido de “novo”.
Pois bem, vem a 2a oportunidade, justamente num desses momentos de tudo “novo”.
A gestão Peter encomendou uma proposta com um dos escopos mais completos já apresentados para um clube de futebol. Alguns dias montando isso, várias práticas envolvidas e a parte da diligência foi feita com um carinho e uma profundidade que eu nunca tinha tido anteriormente.
Honorários de 7 dígitos no total, com diligência financeira, “auditoria” de dívida, conformidade fiscal, revisão de controles, governança e tudo mais que vocês pode imaginar. Até copiar HDs de gestores envolvidos em contratos do futebol estava previsto.
Era o estado da arte dos projetos para futebol na época, mas resolveram deixar para lá. Uns disseram que era muito caro, outros que poderia ser feito internamente (e essa é a desculpa oficial), outros argumentaram que o próprio planejamento do projeto estava causando celeumas e que era um momento de pacificação.
Na mesma época o Fluminense contratou a FSB, por valores totais bem superiores ao do projeto orçado. Prioridades. Não cheguei a ficar desapontado, por incrível que pareça. Pessoalmente eu não esperava nada diferente de uma gestão de um quadro de associados que eu conhecia muito bem.
Imaginem o meu grau de ceticismo com gestões amadoras de clube de futebol a essa altura. Surpresa seria se o projeto fosse adiante. E pelo que se observa desses seis anos de gestão Peter, eu me livrei de absorver um prejuízo recorde. Há males que vem para o bem!
Os honorários podem parecer absurdos, mas é preciso levar em conta dois fatores: (i) o volume de horas e práticas envolvidas era o maior de todos os tempos; e (ii) perdas posteriores em negociações de atletas, déficits operacionais e outros problemas que poderiam ser mitigados ou solucionados através desse projeto, foram infinitamente maiores. O projeto se pagaria rapidamente, era algo mais relacionado na prática a um investimento do que a uma despesa milionária. E é preciso ficar claro que eu era remunerado via CLT nessa época e não me beneficiaria em nada do milionário valor dos honorários. Como era clube de futebol, iria acabar perdendo bonificação por causa de overun a descoberto. Financeira e pessoalmente, o famoso tiro no pé. Há quem venda uma história fantasiosa sobre isso tudo por aí, mas não sou eu que tenho o Fluminense como meio de vida.