Nessa thread estamos jogando luz em diversos fatos que são inerentes as vendas de jogadores, mas raramente são noticiados de forma adequada, se é que chegam a ser noticiados.
Resolvi listar tudo que me passa pela cabeça ao ler notícias sobre vendas. Enquanto muitos comemoram efusivamente a venda para por X milhões de Euros e outros saem xingando loucamente o dirigente esportivo, uma infinidade de detalhes passam desapercebidos pela imensa maioria. E o pior: essas informações, que acabam omitidas, acabam dando lastro para uma série de narrativas que ou são equívocos escabrosos, ou se resumem a desonestidade intelectual.
DIVULGAÇÃO
O primeiro grande desafio é descobrir os valores exatos da transação. Além de valores divergentes, que podem ter algumas explicações, como veremos no próximo passo, podem trocar as moedas, usar diferentes taxas de câmbio, replicarem notícias falsas, etc… Quem é a favor da gestão joga os valores lá em cima, quem é contra joga muito para baixo.
Via de regra, normalmente circulam valores que são informados pela própria gestão através de sua assessoria de imprensa. Não me parece que exista o hábito de questionar essas assessorias, afinal, elas provêm conteúdo mastigado diariamente para jornais, canais de YouTube, portais, etc. Ninguém quer criar caso com quem lhe garante o sustento, ainda mais com tanta molezinha.
Aqui nasce o lado obscuro da maioria das transações.
Qual a primeira onda de questionamentos quando noticiam uma venda?
Nessa parte vamos analisar essa primeira onda. Na segunda vamos tratar dos seus efeitos sobre outras narrativas, concluindo essa thread de três postagens.
REGISTROS
Nós temos vários problemas nesse tópico. Um deles dá até margem a manipulação nos balanços.
Não há uniformidade nos registros de vendas no Brasil. Alguns clubes registram a receita bruta, outros a líquida, alguns sequer expurgam do montante registrado direitos de terceiros, no intuito de inflar a receita que serve de parâmetro para definição de gestões temerárias na Lei do Profut.
Enquanto existem alguns clubes que tem notas realmente explicativas, explicitando até as comissões e intermediações pagas, outros mal listam que foi vendido naquele exercício. Informações sobre parcelamentos e antecipações são ainda mais raros.
Quem começa a correr atrás de informação na ponta compradora ainda depara com mais um problema: clubes europeus informam o desencaixe total. Exemplificando:
Jogador X tem os direitos repartidos em 90 e 10%. O clube vendendor receberá $900k, hipoteticamente, os terceiros receberão $100k. O clube europeu acorda pagar comissões e intermediações de uns $200k. Tem outros custos capitalizaveis que montam uns $50k.
O registro na Europa será de uma transação de $1.250k e o press release costuma indicar esse montante. Ele será desmembrado e devidamente explicado nos balanços interinos e anuais da imensa maioria dos clubes europeus. O clube brasileiro, em tese, informará e registrará os $900k, mas nessa confusão e opacidade, acabam surgindo “informações” de que a venda foi de $1.250k, ou $1000k.
A opacidade tupiniquim acaba impedindo que seja realizada uma checagem cruzada dessas informações. O torcedor e/ou associado ficam a mercê da checagem da auditoria independente, que não garante que os números estão 100% certos, ou dos conselhos fiscais dos clubes. Complica demais, na medida que a gente lembra que alguns conselhos usam seus parecêres para tecer elogios aos gestores e até mesmo dar explicações estapfúridas, do tipo “acontece com todos os clubes”, para problemas sérios.
A apuração dos resultados relatada na imensa maioria dos relatórios anuais dos clubes brasileiro é uma várzea. Embora existam até regras contábeis e de disclosure dos clubes, elas deixa muito a desejar no quesito padronização das informações e seu detalhamento. Há margem para a receita ser inflada na rubrica que servirá de parâmetro para definir tetos de déficits na questão de gestão temerária, sem necessariamente que os resultado final seja efetado. O disclosure de despesas e custos também carece de padronização e melhores esforços informacionais, e portanto os excesso na apuração de receita podem ser ajustados no balaio de gatos de despesas gerais e outras opacidades existentes.
CONDIÇÕES
Raramente uma transação envolvendo jogadores é quitada no ato da compra. Isso decorre em função de vários motivos, desde a desculpa do fair play, ao simples fato que muitos clubes tem dificuldades de caixa. Essa dificuldade afeta as transações em duas direções: quem não tem dinheiro, pede parcelamento; quem tem e compra de quem está asfixiado, além de conseguir reduzir o valor justo, ainda o parcela.
Jamais é noticiada com clareza as condições dessas vendas.
Quanto será pago à vista, quantas parcelas e seus valores e qual o cronograma de quitação, via de regra, são ocultados.
As transações passaram a ter componentes fixos e variáveis, também em função de uma série de motivos e alguma malandragem no me engana que eu gosto do fair play financeiro.
De uns tempos para cá passaram a noticiar o breakdown entre fixo e variável, embora raramente explicitem quais os KPIs que engatilharão o pagamento dos bônus variáveis atrelados a performance do atleta e títulos que ele conquiste no outro clube.
Muitas vezes essa metas são inexequíveis, o que implica na não realização dos valores máximos. Mesmo assim noticiam que a venda ocorreu mensurando seu valor com base num cenário onde todos as metas de bonificação serão atingidas. Isso é pura má fé na hora de informar. Um exemplo prático dessa desonestidade intelectual ocorreu na divulgação dos valores da venda do Luiz Henrique, cujo valor máximo depende do seu clube, notoriamente de uma prateleira inferior, se sagrar campeão da UCL, um torneio que eles nem disputam:
Nós vamos voltar a efeitos econômicos dessas condição na próxima parte dessa thread.
DIREITOS
Praticamente todo jogador tem direitos econômicos repartidos, e depois das novas regras de TPO impostas pela FIFA, essa divisão passou a ser escamoteada através de comissões, como veremos mais adiante.
A partilha de direitos é informada em base anual nos relatórios auditados. Alguns clubes mantem um quadro com essa partilhas na internet, embora não dê para confiar cegamente nisso. Tudo é muito dinâmico nessas partilhas, elas são modificadas em renovações de contratos, podem sofrer ajustes em função de dívidas diretas com atletas e seus agentes e até mesmo por dívidas indiretas que tenham um ponto em comum nos investidores, que passam a ter direitos de alguma forma, apesar da vedação expressa que terceiros tenham propriedade sobre jogadores.
Para variar, carece de transparência toda essa situação pertinente a partilha de direitos. O torcedor ou associado costuma ter ciência exata do que acontecia quando pipocam os famosos processos. Os contratos são expostos e com eles finalmente aparecem até contratos de gaveta. Quer dizer, ou pelo menos eram expostos, de uns tempos para cá passaram a pedir sigilo nesses processos.
Mas quem tem o péssimo hábito de acompanhar os processos contra os clubes, sabe que a partilha de direitos é uma zona sem fim. O Fluminense tem até um caso pitoresco, numa dessas vendas que foram efusivamente comemoradas como a maior de todos os tempos, onde o atleta tinha mais de 100% dos direitos partilhados.
A receita a ser informada deveria representar somente o percentual que o clube detém sobre esses direitos, devidamente detalhado em nota explicativa as demais partes, como ocorreram os pagamentos e todo mundo que foi comissionado na transação. É hora de pular para o próximo tópico.
COMISSÕES
Na ótica do vendedor, nos costumamos observar dois tipos frequentes de comissões.
A primeira é de uma inifinidade de agentes que se envolve diretamente na carreira e na transaçào da atleta. A segunda é uma tal de comissão excluvisa, onde alguém detém um direito sobre a venda futura do atleta pelos mais variáveis motivos. Via de regra, esse valor é devido na aquisição do jogador ou para tentar acomodar as recorrentes dívidas que os clubes formam com meio mundo.
É muito raro achar clubes no Brasil que abram essa informação dos beneficiados com as comissões. Eu lembro de cabeça de uns três casos no máximo, onde a abertura ao menos quantifica nominalmente cada comissionado/intermediário.
Não há uma única notícia de venda que leve em consideração que serão pagos milhões em comissões e intermediações, algo que é de conhecimento geral. A omissão dá margem. mais uma vez, a ilação de desonestidade intelectual. O press release pode não informar, mas me parece obrigação de quem reporta, exigir os detalhes, ainda mais quando envolvem o desencaixe de milhões. Comissões e intermediações podem consumir entre 15-28% do valor de uma transação. É muito dinheiro para geral fazer cara de paisagem para o assunto.
DÍVIDAS
Podem exisitir dívidas diversas que impactarão essa transação.
Dívidas com o jogador, falta de conformidade fiscal e previdenciária, dívidas com seus agentes, dívidas de luvas, dívidas de comissões na contratação e aquelas ligadas a remuneração mensal, prêmios devidos, enfim, uma infinidade de fatores. Vamos discutir isso com mais propriedade na próxima parte.
Até lá!
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