Chegamos na terceira e última parte dessa thread , onde estamos jogando luz em diversos fatos que são inerentes as vendas de jogadores, mas raramente são noticiados de forma adequada, se é que chegam a ser noticiados. Se você não leu as duas primeiras partes, clique aqui e depois aqui.
ANTECIPAÇÕES
Hoje em dia a maioria das vendas é feita de forma parcelada, mas os clubes precisam dos recursos para ontem, criando um oásis para atravessadores ganharem um dinheiro muito fácil.
Instituições financeiras criaram produtos e fundos para antecipar receitas de contratadas de clubes de futebol, sejam elas referentes a direitos de transmissão, até mesmo essas vendas parceladas.
É óbvio que ninguém adianta recuros de graça.
Quando noticiam, por exemplo, que o Fluminense, vendeu 245 milhões em 3 anos e meio, além de desconsiderarem que forma pagas comissões em todas as transações, sempre omitem que os adiantamentos de parcelas tem elevado custo financeiro. Esse custo vai variar bastante entre clubes, aqui entra uma combinação de capacidade negocial e risco.
Não há muita transparência sobre essas antecipações, muitas vezes elas são muito bem escondidas em balanços e notas opacos. Uma operação dessa natureza não custa menos de 8% do valor da transação, podendo superar os dois dígitos com extrema facilidade.
Apesar do lastro em contratos e garantias, se o clube comprador calotar as parcelas, o pepino fica nas mãos do clube vendedor, que irá a FIFA tentar receber, enquanto a dívida contraída junto a instituição seguirá sendo corrigida, e o desfecho do embroglio pode causar algumas perdas adicionais, fora todo custo de cobrança.
DÍVIDAS
Outro fator muito importante a ser considerado em toda essa falácia de centenas de milhões em vendas são as compensações que possam ocorrer em função de dívidas contraídas junto ao atleta, seu agente e investidores. Aquela situação pitoresca onde se anuncia uma compensação financeira, por uns dias isso é considerado como venda e componente para atingir metas orçadas, e uns dias depois contam, sem muito alarde, que os valores não serão encaixados pelo clube, pois serão compensados contra esses valores devidos.
Há caso, inclusive, onde a partilha de direitos, através do artifício das comissões, é divergente daquela que consta em nota explicativa ou portal, para acomodar repactuações de dívidas.
É público e notório que a opacidade impera nesse quesito de dívidas e comissionamentos. A falta de questionamento sobre esses tópicos nas vendas está em linha com a permissividade observada ao longo dos anos na falta de crítica aos balanços publicados, bem como as falacias de saneamento sem reduzir passivos e atrasando contas.
EFEITOS NA CONTABILIDADE
As normas contábeis permitem que essas vendas, mesmo parceladas, sejam classificadas como receitas dos exercícios onde ocorre a transação. Acontece que existem outros lançamentos complementares que são ignorados pela mídia em 99% dos casos.
O que é recebido efetivamente é registrado em vendas, tendo como contra-partida o caixa.
A parte do parcelamento também compém a receita de vendas, mas em vez de debitar o caixa, adiciona saldo ao contas a receber.
Se esse contas a receber é adiantado, simplificando toda sistemática, vai se criar um passivo, referente ao valor adiantado, contra caixa (encaixe efetivo) e despesas (financeira, terceiros, etc., relacionadas aos custos pagos).
O resultado prático disso tudo é que as vendas ficam lindas, dão margem a essas notícias de 245 milhões, mas isso não necessariamente foi encaixado.
EFEITO PRÁTICO NO FLUXO DE CAIXA
Esse descasamento entre receita reconhecida e receita encaixada é o terror do fluxo de caixa.
Para ter uma breve ideia de como isso impacta positivamente a posição contábil, basta olhar para a demonstração de fluxo de caixa de 2021:
Ano passado, 101.7 milhões não foram encaixados. A receita liquida contábil montou 313.9 milhões, portanto, 32.40% do valor contabilizado não foi encaixado em 2021.
Nesse ajuste entram os efeitos não só do parcelamento, mas também da variação cambial que possa existir em função de ter um contas a receber em moeda forte, num país onde a moeda vive derrentendo. Outro componente que não quer dizer muita coisa.
Notem o quanto dramática é a situação para algum veículo ter a cara de pau de endossar os press releases que a gestão do Fluminense vive soltando por aí.
1/3 da receita com atletas não foi encaixada em 2021.
Tem receita na casa de 25 milhões com descontos obtidos (cerca de 8%), que também não representam encaixes. Aqui é algo ainda mais sórdido, se formam dívidas, as fomentam, aí as renegociam com descontos e apuram “receita”.
Um belo retrato de como é inútil toda essa abordagem contábil na análise do desempenho financeiro está refletida na captura do trecho do relatório. O tal défict contabil de um pouco mais de 2 milhões de reais, na verdade é um déficit de caixa superior a 70 milhões. Uma mera “diferença” com um múltiplo de 35. Um escárnio.
ORÇAMENTO
Bisonhamente, o orçamento do clube é projetado com base em premissas contábeis, o fluxo de caixa, inclusive, foi omitido a partir de 2021 naquele apanhado de slides que se chamam de orçamento.
Orçamento é um intrumento de caixa. A abordagem contábil que é adotada é pura obra de marketing manipulativo.
Ele permite que sejam feitos press releases se vangloriando de metas alcançadas que na prática não foram encaixadas. Está explícito no próprio relatório anual auditado.
A abordagem equivocada da mídia sobre metas de orçamento não se restringe as vendas. Eles se esquecem de todas as despesas, nesse tópico não há acompanhamento algum, nem alerta, nem nada. Algo tão tosco que dá margem a pensar que isso transcede ao equívoco.
CONCLUSÃO
Não foram precisos 15-20 minutos de leitura para perceber o quanto manipulativo são esses anuncios com valorição de vendas. Vendem uma imagem diamatralmente oposta a realidade financeira dos fatos. Os valores recebidos são inifinitamente inferiores em virtude de partilhas, comissões, custos financeiros e até mesmo por compensação de dívidas.
O resultado prático é contabilizar centenas de milhões com vendas e seguir na penúria, com elevado endividamento e a frequente necessidade de realizar mais vendas.
Essa forma temerária de gestão é auxiliada pela falta de crítica e pelo endosso de atingimento de metas que não condizem com a realidade do fluxo de caixa.
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