Mais uma #DARKSiDEFLUCONOMiCS sobre O RELATÓRIO ANUAL DE 2021 do Fluminense, tratando de ajustes e reclassificações de saldos efetuadas para vender a falsa imagem de que o clube vem sendo saneado.
Análises mais abrangentes sobre os resultados reportados em 2021 serão objeto de outras edições e muitas postagens no Twitter (@fluconomics).
MAIS UM DESABAFO
Vamos para a segunda edição sobre as demonstrações financeiras de 2021 e ainda não consegui começar as análises da forma tradicional.
Se a primeira edição sobre os números de 2021 foi quase que inteiramente dedicada a narrativa por trás desse processo de transformar balanços em mais um instrumento de marketing, a segunda é originada numa situação surreal: a gestão, com a condescendência de seu auditor independente, resolveu mudar os saldos de abertura das contas de passivo e resultado em 2021.
Não satisfeitos, efetuaram ajustes e reclassificações, camuflados nesse rearranjo de apresentação, que trouxeram mudanças significativas nas composições de saldos de passivo circulante e não circulante de 2020, bem como ajustes que mudaram completamente as margens de determinadas operações do clube.
Essa edição e a próxima serão inteiramente dedicadas a esse escárnio.
NOVA APRESENTAÇÃO
Todo santo ano eu “planilho” as demonstrações financeiras do Fluminense. Sempre foi um passatempo acompanhar e revisar nossa evolução patrimonial e de caixa.
Eu sempre espero alguma artimanha que sirva de gancho para vender mentiras, afinal o modelo associativo se perpetua dessa forma.
Mas esse ano as coisas complicaram demais.
Como tenho tudo pré-formatado, logo percebi novas contas e novas aberturas. A princípio nem imaginei que encontraria algo estranho e que seria somente uma mera reapresentação dos dados, mesmo sabendo que poderíamos ter novidades ruins.
Muitos tweets no domingo mostraram minha indignação com as descobertas.
Em linhas gerais, fizeram reclassificações e ajustes de saldos de 2020 em contas de passivo e resultado, alterando tanto valores reportados e auditados, entre linhas e entre circulante e não circulante. Não há mudança dos valores finais auditados e aprovados sobre 2020, mas toda essa “mexida” adulterou o resultado de muita análise e muita comparação.
O que mudou no passivo?
Existem “combos de mudanças”. O primeiro deles envolvem contas de 2020 que eram denominadas “Impostos e contribuições a recolher”, “Obrigações trabalhistas e sociais” e que passaram a se chamar “Obrigações trabalhistas”, “Encargos sociais” e “Tributos a recolher”, com nova abertura de saldos.
As outras mudanças ocorreram na conta de contingências, que sofreu um split, desdobrando agora na existência de uma nova conta criada chamada “Contas a pagar oriundos de acordos judiciais”, acrescida de uma minguada conta antiga de “Provisão para contingências”.
Eu uso nomes mais condensados nas planilhas por questão de espaço, mas é bem simples linkar uma coisa a outra. Eis o rastro das mudanças, tendo como base, em 2020, os números reais auditados e aprovados, e não essas reclassificações e reajustes retroativos:
A reapresentação de contas em si, não é algo muito recomendado, exceto que existam erros e/ou busquem uma melhor forma de divulgação. Quando há esse tipo de alteração, é esperado alguma nota explicativa para auxiliar o usuário das DFs a se achar no tempo, bem como indicação de que os saldos foram rearrumados de alguma maneira.
Ocorre que a gestão não se limitou a rearrumar a apresentação. Ela alterou a classificação de forma retroativa em saldos de 2020.
AÍ VIRA BAGUNÇA – PARTE 1
Cerca de 31.7 milhões foram retirados do não circulante de 2020 e reclassificados para o circulante.
O desavisado ou desatento que lê as DFs de 2021 pode achar que houve redução de dívidas no passivo circulante, mas foi só criatividade mesmo.
Podemos taxar de criatividade sem dó nem piedade. Se fosse um erro identificado, a forma de reportar seria diferente, exigindo apontamento da reclassificação e nota explicativa contendo conciliação, o que inexiste nesse relatório de 2021.
Parece ser uma redução de cerca de 17.2 milhões, mas o saldo de 2020 conta um “upgrade” de 31.7 milhões. Vejam como isso foi reportado, originalmente em 2020:
No fim do dia, excluindo efeitos da criatividade, o passivo circulante aumentou em 14.8 milhões. Ainda nessa edição vamos ver as flutuações de forma adequada.
A REDUÇÃO DE 28 MILHÕES
Não podemos analisar o passivo a partir da “marretada” dada de 31.7 milhões entre curto e longo prazo dos saldos retroativos de 2020. Seria pedir para ser feito de gado pelo gestor marketeiro, que transformou o balanço em berrante.
Resolver isso deu muito trabalho, exigindo conciliações de todos os grupos de conta que eu mencionei acima como alterados e/ou criados.
Comecei pelas contingências reportadas nas notas explicativas de cada DF auditada (2021 e 2020). Aqui, propositalmente, seria apontada uma flutuação artificial, pois parte do saldo de contingências foi desmembrado para outras contas:
A macro conciliação das contas do passivo indicam que toda “brincadeira” de ajuste retroativo entre saldos de curto e longo prazo (circulante e não circulante) se deram nesse split de contingências com acordos judiciais:
Toda essa falta de uniformidade e excesso de criatividade exigiram que fossem conciliadas todas as contas, o que eu fiz em 2 grupos.
O primeiro com flutuações de contas que não sofreram com a criatividade da gestão em 2021 e tinham, supostamente, uniformidade ao longo dos anos:
E o segundo uma série de comparações em lotes ou em novas contas criadas:
Pode parecer uma coisa de professor pardal, mas deu certo!
Eis o quadro de movimentações devidamente conciliado com a suposta redução de 28 milhões do passivo total entre 2021 e 2020:
Aproveitei ainda e inclui uma singela observação que achei no fluxo de caixa: durante 2021 foram obtidos 25.3 milhões em descontos.
Isso equivale a 90% da redução do passivo, que dessa forma, não foi pago, mas sim, momentaneamente reduzido, e os efeitos dessa redução dependem e muito da capacidade de pagamento do Fluminense em todos os acordos e parcelamentos firmados/contratados, algo que o autor dessa newsletter tem dúvidas homéricas sobre a disponibilidade de recursos.
Vide edições 49 à 52, ou qualquer um dos textos #DARSiDE disponíveis no Twitter ou na Newsletter.
MISTÉRIO: COMO O PASSIVO FOI REDUZIDO SE APURAMOS UM DÉFICIT DE CAIXA SUPERIOR A 70 MILHÕES EM 2022?
Vamos lá, tentar responder essa pergunta chega a ser até divertido.
Para isso, vamos voltar a olhar com mais carinho para os grupos de contas usados na conciliação feita.
VISÃO GERAL SOBRE ALGUMAS “REDUÇÕES”
Nos grupos de contas onde não houve grandes mudanças de apresentação e ajuste, existem destaques, supostamente, positivos:
- A conta de fornecedores, depois de vários anos crescendo sem parar, apresentou uma redução de 6.3 milhões (38%);
- Empréstimos totais também caíram cerca de 11.3 milhões, uma redução de cerca 26% tanto no curto como no longo prazo;
- Também foi reduzido o crescente saldo de imagens a pagar no montante de 3.7 milhões (21% de queda); e
- Há uma forte redução na dívida em aberto na compra de atletas, cerca de 30.8 milhões no líquido.
Não há como afirmar que isso tudo foi efetivamente pago ou se alguns dos valores foi transferido para algum desses novos acordos de pagamentos de atrasados, sendo classificados na nova conta de acordos judiciais.
E 35% da flutuação total desse quadro é referente a adiantamentos recebidos:
Essa conta é mera apropriação de valores, não há redução efetiva de passivo. Isso, na verdade, nem é um passivo (dívida) propriamente dito:
Referem-se, principalmente, a antecipações de direitos de transmissão, registrados no resultado do exercício de acordo com a competência dos respectivos contratos.
Em outras palavras, são valores já recebidos referentes a competições que transcendem o período fiscal. As contas de passivo são mero mecanismo contábil de apropriação do que foi adiantado pelo transcorrer dos torneios onde se recebeu valores antecipados, normalmente luvas na assinatura desses contratos (luvas e 2016 merecem outra edição).
Não cabe atribuir mérito ao gestor em redução, por regra de contabilização, na apropriação de receita antecipada. Isso é patético! Isso é inverossímil.
Só aí temos 28.1 milhões de redução que não é redução. Um valor superior a redução líquida efusivamente comemorada pelo gestor “austero”, que acha que tem muita credibilidade nos enrolando dessa forma.
INCREMENTOS NA DÍVIDA
No grupo de contas de impostos e contribuições, que foi renomeado para tributos parcelados, temos um incremento líquido de 1.8 mi no circulante e 21.7 mi no não circulante:
Na brincadeira de dividir obrigações trabalhistas e sociais em duas contas, há um incremento nominal na dívida de 22 milhões. Vale lembrar que o FGTS está nessa confusão crescente, agora abrigado na conta de encargos sociais, que curiosamente, não tem nota explicativa! Isso mesmo, tem uma conta de passivo de 35 milhões de reais de saldo sem nota. Justamente aquela que envolve o FGTS, tema de ressalva e parágrafo de ênfase no parecer dos auditores.
Não havia qualquer necessidade de split na apresentação dessas contas. Ela ocorreu com a omissão de nota que eu acabei de comentar. É impossível não pensar no pior.
Concluindo, há redução em contingências, mas concomitante ao aparecimento de uma nova conta de acordos judiciais. A redução monta a cerca de 76.7 milhões, mas o saldo da contas de acordos judiciais, considerando curto e longo prazo, é de 86.6 milhões. Uma diferença com incremento líquido de dívida no montante de 9.9 milhões.
Vale ressaltar que a despesa com provisão de contingências em 2021, segundo as DFs, monta, liquida de potenciais baixas, 13.8 milhões. Então aqui pode ter ocorrido algum pagamento ou desconto. Não há como saber ao certo, o desconto só é citado e mensurado, dentro da demonstração de fluxo de caixa:
“WRAP-UP” DA EDIÇÃO
Já temos elementos de sobra para questionar a redução estritamente contábil e pra lá de pontual.
Se não há superavit de caixa operacional, não há como amortizar dívida. Você pode até trocar uma dívida por outra, mas não você não amortiza nada efetivamente.
Vimos que existem descontos de 25.8 milhões, e ajustes de apropriação de receita antecipada de mais 28.1 milhões. Além de uma infinidade de incrementos milionários em vários grupos de contas.
Trocamos algumas dívidas por outras, e a dívida, de fato, segue subindo, o que coloca em risco a efetividade desses descontos a médio e longo prazo. Novas inadimplências agravarão o custo da dívida e consumirão esses descontos, potenciais deságios na negociação de passivos, etc…
Ou atingem superavit operacional de caixa, o que não ocorreu, ou não estão saneando. Simples assim. O resto é conversa para boi dormir.
Até a próxima edição, ainda nessa temática criativa e narrativas falaciosas.