Mais uma #DARKSiDEFLUCONOMiCS sobre O RELATÓRIO ANUAL DE 2021 do Fluminense, tratando de ajustes e reclassificações de saldos efetuadas para vender a falsa imagem de que o clube vem sendo saneado.
Análises mais abrangentes sobre os resultados reportados em 2021 serão objeto de outras edições e muitas postagens no Twitter (@fluconomics).
Estamos discutindo os efeitos da bagunça identificada no relatório de 2021.
Curiosamente não há muito debate sobre os problemas identificados na edição anterior, e quando se vê alguma crítica sobre o balanço em redes sociais se limita a ladainha do déficit operacional olímpico, algo que também precisa ser melhor analisado desde que tivemos acessos a alguns critérios de rateio de despesas.
Mas isso pouco importa agora, é hora de abordar o que aconteceu no resultado.
AÍ VIRA BAGUNÇA
Uma parte do que contei na edição passada acabou tendo algum reflexo no resultado. Até 2020, a conta de gastos gerais englobava o provisionamento de contingências.
Isso mesmo!
Eles escondiam em gastos gerais as novas contingências que estavam formando e a atualização das antigas.
Vamos as evidências! Abertura das contas de resultado em 2020 (original, auditado e aprovado):
Uma rubrica super esclarecedora com 34.4 milhões (mais de 18% do somatório de custos e despesas operacionais) e sem nota explicativa. Todos esses pontos que eu ando relatando devem acontecer por inúmeras e seguidas falta de atenção e zelo, afinal a gestão é a mais transparente do Brasil.
Em 2021, com 2020 todo mexido e ajustado, sem nota explicativa ou aviso, temos o seguinte quadro:
34.8 milhões foram transformados em 13.2 milhões e agora contam com uma nota explicativa. A provisão para contingência aparece com um saldo retroativo de 16 milhões. Se vocês voltarem no primeiro quadro de 2020, perceberão que ela “não existia”.
Mas os números, para variar, ainda não batiam, foi preciso conciliar tudo outra vez.
Surgiu mais uma inacreditável descoberta: a gestão também alterou o saldo de 2020 da conta de gastos com jogos.
Vamos a mais evidências! Transporte e gastos com jogos foram reportados, auditados e aprovados com saldo de 11 milhões em 2020:
Em 2021, a gestão informa, em mais um relatório “auditado”, que o saldo de gastos com jogos de 2020, eram, na verdade, 15.4 milhões. Aumentaram os gastos retroativamente em mais de 36%. Foram 4.4 milhões de reclassificação retroativa, sem nota nem alarde, tudo na surdina.
A evidência no quadro abaixo:
A sorte (ou azar) do gestor, é que praticamente ninguém analisa os números reportados com a devida atenção.
Em 2020 venderam uma margem operacional do futebol que estava errada em 4.3 milhões.
A imensa maioria dos analistas partiria dos quadros atuais e talvez nem perceberiam o tamanho dessa lambança e falta de comparabilidade, com alterações de saldos de abertura. Aliás saldos de abertura tem se mostrado um problema crônico (vide comentários sobre o fluxo projetado na edição 49).
Ainda há um terceiro componente na conciliação, de tributos incidentes sobre operações de câmbio, que passou a ser apresentado em 2021 e ganhou um saldo retroativo comparativo em 2020. Adivinhem onde está sendo informado anteriormente? Gastos gerais.
O resultado da tabulação de duas demonstrações originais (2021 x 2020), bem como os trimestrais, é uma loucura! Nos trimestrais há uma forma bem condensada de abrir os números e todos eles foram elaborados antes desse surto de criatividade.
Eu não vou discutir as flutuações nessa edição. Em linhas gerais falei muito sobre resultado e “austeridade” nos “Pecados Capitais”.
Mas aqui eu tenho um resumo do caos que é tentar analisar as finanças do Fluminense:
REGRAS DE APRESENTAÇÃO
Apresentação de demonstrações contábeis são reguladas no mundo inteiro.
No Brasil, a norma em vigor é a NBC TG 26, que já sofreu 5 alterações (o R nesses normativos indicam justamente a quantidade de revisões que os normativos já sofreram).
Para vocês terem uma ideia de como isso é totalmente regulado, a NBC No.1, alterada pela 26(R5), tratava do mesmo tema: apresentação de demonstrações contábeis (contadores não curtem chamá-las de demonstrações financeiras e eu acho que eles até tem razão nisso, pois só o DFC tem um lado financeiro propriamente dito).
Enfim, nesse aspecto de modificações e reclassificações, as normas são as mesmas no mundo inteiro e o texto exige a mesma coisa desde que a NBC01 estava vigente.
Vamos ao texto da norma que se aplica a bagunça:
Demonstrações Contábeis que não observam as regras de apresentação tem que ser reelaboradas. Isso nunca poderia ter passado desapercebido pelos auditores, que deveriam ter exigido o disclaimer de reclassificação no alto da coluna de saldos de 2020 e a nota contendo os itens (a), (b) e © do parágrafo 41.
É muito constrangedor deparar com um saldo de abertura modificado e não existir rastro para isso. Ainda mais com nova abertura de saldos de passivo de curto e longo prazo. Vergonha alheia em níveis estratosféricos.
Há uma explicação perdida em parágrafo na quinta parte das demonstrações, singelamente chamada de Outras informações:
Isso é insuficiente. E a falta de indicação em todos os principais quadros do início do relatório é algo deplorável. A troca de prazos em saldo de abertura não constituem melhor apresentação de nada. São ajustes, os saldos reportados em 2020 não estariam corretamente segregados entre curto e longo prazo.
O quadro que “concilia” os ajustes no resultado também é lastimável:
Despesas aumentaram em 4.3 milhões em transporte sem qualquer explicação, por exemplo. Apareceu uma constituição de provisão que foi integralmente omitida em 2020, e por aí vai.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eu leio cuidadosamente as demonstrações do Fluminense pelo menos desde 2007, quando ela passou a esboçar o mínimo exigido para ser chamada de demonstração.
Em todos esses anos tivemos as mais variadas situações constrangedoras possíveis, os tímidos ajustes sobre 2015 e 2016, ressalva por sumiço de nota de direitos econômicos, essa interminável questão de continuidade e seus planos que não dão certo, faltas de notas explicativas, explicações nada explicativas, etc…
Isso nunca foi tranquilo, mas o nível de bizarrices atingiu um novo low level.
Temos reclassificações de curto para longo prazo, alteração de valores auditados, provas cabais que escondiam contas com viés negativo as narrativas em gastos gerais e descumprimento das normas mais elementares.
O parecer de 2021 tem ressalva sobre FGTS e todos esses desmembramentos e opacidade, fizeram até que o saldo em atraso sumisse das notas. Isso não pode ser considerado mero erro, falta de supervisão negligência, ou algum eufemismo que usem por aí.
A vaca foi pro brejo!