Por décadas a fio, a única finalidade dos borderôs era compilar as informações de público e renda para serem divulgadas ao final das transmissões de rádio e TV.
No tempo que nem todos os jogos eram transmitidos pela TV, a gente sabia que ele estava chegando ao fim quando isso era divulgado pelo repórter de campo da sua rádio preferida.
Com o passar dos anos e a severa crise financeira que assola a maioria dos clubes, essa informação de público e renda líquida, muitas vezes negativa, passou a ser utilizada em outras frentes, tanto da criação de conteúdo, como em pautas de grupos políticos de modelos associativos.
E por mais que a indústria da bola brasileira tente vender uma profissionalização para mascarar seu amadorismo, seguimos limitados a baixa qualidade dessa suposta informação de renda e público. Fazem até rankings sobre isso, algo que a meu ver atesta a inaptidão de boa parte da mídia e de supostos especialistas.
Nas próximas edições, tentarei elencar a maioria dos problemas que são facilmente observados através da leitura com atenção desses borderôs, bem como problemas que surgem ao realizar simples conciliações. A ideia, além da obvia necessidade de jogar luz na parte financeira, é mostrar com não há esforço na hora de informar.
BORDERÔS SÃO DESINFORMAÇÃO
Ao final dessa série de edições, após analisar a composição do grupo de receitas elencadas nos borderôs e as super opacas e não uniformes despesas dos jogos, acredito que todos vocês concordarão com essa crítica sobre a quase inutilidade desses relatórios.
Só não são de todos inúteis em virtude de alguns rastros deixados sobre ganhos do intermediários dessa indústria. Mas no sentido de espelhar o resultado da operação dos jogos, são completamente inúteis.
O ponto de partida usará como exemplo o mais recente borderô do Fluminense, uma partida realizada em 17/01/23, contra o Nova Iguaçu. O documento pode ser obtido na íntegra aqui.
Os borderôs da Federação de Futebol do Rio de Janeiro são divididos em cinco blocos, com quatro deles bem destacados (que se aplicam a jogos em qualquer estádio) e um que vive passando desapercebido da maioria das pessoas, pertinente somente a jogos realizados no Maracanã.
Os cinco blocos são compostos com dados sobre:
- “Receitas” da partida, com uma tabela que compõem a “arrecadação” de acordo com os setores e os “preços” praticados. Vocês entenderão o motivo de tantas aspas mais adiante. Esse quadro ainda traz informação sobre a carga total de ingressos por setor e devoluções.
- Na sequência são apresentadas as despesas, ou pelo menos parte delas. A cada ano esse quadro encolhe um pouco mais, pois seu detalhamento sempre deu margem a críticas sobre os gastos e os beneficiários desses gastos.
- Há um pequeno quadro de retenções de INSS e IRRF.
- Há um quadro de uma única linha que trata da remuneração dos consignatários do Maracanã.
- E o borderô é concluído com o resultado e o rateio da renda líquida.
O mandante das partidas é o responsável pelas informações contidas no borderô.
PÚBLICO PAGANTE E NÃO PAGANTE
Quando o borderô é emitido, os preguiços que acham que tem a presunção do monopólio da informação, prontamente informam público e renda. Quando muito se dão ao extenuante trabalho de segregar público pagante de público presente, o que também fazem errado na maioria das vezes.
As informações sobre receita são completamente furadas. No passado, sem os programas de sócio torcedor, o erro se limitada a considerar cortesias como parte da receita bruta e era factível apurar com precisão a receita real. Após o início desses programas de sócio torcedor, os borderôs passaram a refletir receitas completamente irreais.
Não satisfeitos com tamanha lambança, ainda vemos os analistas especilistas da indústria do futebol construir ranking de público e arrecadação em jogos. Ambos errados, para variar; os de público necessitariam de pequenos ajustes para serem mais precisos, já os de receita são impossíveis de contruir, como explicarei ao longo dessa edição.
Vou explicar isso usando marcações que remetem a Matrix. Problemas enumerados de vermelho e desiformação marcada com pílulas em azul:
Eu avisei que era desinformação…
Foi noticiado que a partida teve renda de 549 mil. Esse valor é simplesmente puxado de um dos campos marcados em azul na ilustração. E que 22.088 pessoas (outro valor puxado diretamente do borderô) estiveram presentes no Maracanã, das quais 20.925 pagaram pelo acesso, ou seja, supostamente 1.163 pessoas (5.56%) não pagaram ingressos, segundo o que foi reportado de forma erronea.
Como nossos sagazes desinformantes chegam a informação errada de que o público pagante é de 20.925? Muito simples, vejam a marcação (4) em vermelho na figura.
540 cadeiras cativas, 25 pessoas na tribuna e 598 gratuidades são listadas no borderô, totalizando 1.163 ingressos sem valor no borderô.
Mas só esses 3 grupos não pagam para entrar no Maracanã? Claro que não e todo mundo sabe disso. Vejam as marcações em vermelho númeras com (2) e (3). Elas apresentam a famigerada nomeclatura “promocional”. Acessos promocionais não são pagos, são as famosas cortesias. Isso precisa de um pouco mais de explicação sobre receitas, o que farei mais adiante, mas é perfeitamente viável ajustar o público pagante a partir do borderô, acrescendo as entradas 0800 no setor Maracanã Mais promocional (40 acessos) e Ingresso Promocional (1.027 pessoas espalhadas pela arquibancada).
Há ainda 1.145 acessos promocionais aos camarotes, mas eles geram algum tipo de renda para o estádio, além de abrigar uma considerável quantidade de cortesias. Mas não há meios de apurar isso com precisão.
Então temos duas abordagens a serem adotadas no cômputo de público presente x pagante:
A primeira é ajustar ingressos e Maracanã Mais, o que resultaria em 2.230 pessoas que não pagaram (incremento de módicos 91.75%); ou ajustar também os acessos aos camarotes, uma vez que sua receita real e custeio não são espelhados nos borderôs, o que elevaria o público não pagante a 3.257 pessoas, ou quase o triplo do que foi noticiado.
Desse rolo todo derivam n problemas, mas por enquanto já deu pra ficar bem claro como rankings de públicos pagantes são bem furados. Além disso, a desinformação acaba mascarando que pelo menos 10% do público presente não paga entrada, podendo chegar a um percentual de 14.75% do público total. O trem da alegria é escamoteado pela desinformação.
Em clássicos e partidas relevantes, esses percentuais de não pagantes reais é muito maior. Estamos exemplificando com um jogo nada atrativo do Carioca.
Vou exemplificar com o último jogo da final do carioca 2022.
- 69.760 pessoas presentes
- não pagantes reportados: 5.051 (7.24% contra os 5.56% do jogo mais recente, ou seja, quanto maior o apelo, maior a gratuidade explícita)
- 200 acessos promocionais no Maracanã mais
- 3.052 ingressos promocionais
- 2.100 camarotes promocioanais
No pior cenário seriam 10.403 acessos gratuitos, ou 15.68% do público total.
A primeira “pílula vermelha” dessa nova thread #DARSiDE
Até agora foi chover no molhado, as informações eram de conhecimento da imensa maioria, uns não queriam ligar os pontos, outros torciam e ajudavam a não ligar os pontos, outros sequer se preocupam em ligar os pontos. Futebol é alienante e os manipuladores se aproveitam disso com maestria.
Eu espero que a essa altura meus assinantes e todo público cativo da FLUCONOMiCS estejam fazendo a seguinte pergunta: o que leva a valorizar ingressos promocionais no borderô, já que o público não desembolsou um único real?
A resposta é muito simples, a receita bruta apurada no borderô é base de cálculo para a taxa cobrada pela Federação, que dessa forma acaba inflada. No caso do jogo contra o Nova Iguaçu, são mais 12.3 mil reais de receita com cortesias da arquibanca, 3 mil reais dos acessos promocionais no Maracanã Mais e potencialmente mais 13.7 mil na base de cálculo via camarotes. Em tempo, isso não é feito de forma irregular ou sorrateira, é tudo definido naqueles arbitrais com endosso dos clubes. Não há nada ilegal, pelo menos aparentemente.
E nesse momento eu estou falando só da ponta do iceberg. Na segunda parte dessa nova thread, vocês terão ume melhor noção do problema de gestão e os gastos adicionais que incrementam as perdas nas operações das partidas.
Por enquanto, para fechar essa edição, vale registrar que isso ainda implica em pagar mais impostos, afinal incide 5% de INSS sobre a receita bruta apurada no borderô.
Até a próxima, onde vamos discutir as cinco marcações em vermelho da quadro de “receitas”.
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