Nessa primeira onda de revisão e comentários, escolhi apresentar as análises por grupos de conta, seguindo a ordem natural do balanço e do resultado. A ideia é aproveitar as edições para aumentar o conhecimento de todos e permitir uma melhor leitura e compreensão dos números. Dar menos importância as artimanhas, muito bem induzidas por narrativas pró-gestão, e prestar atenção em tudo que fingem que não existe.
De uns tempos para cá, percebo até que algumas críticas são feitas já amarradas em outras narrativas, vendendo a imagem que gestores dão nós em pingos d’água e fazem milagres com as heranças malditas que recebem. Há método, em termos de propaganda, tudo é muito bem engendrado.
Além disso, vamos esmiuçar as notas explicativas e o parecer do auditor independente. No futuro, as edições #DARSiDEFLUCONOMiCS poderão ser mais objetivas, mas como percebo que muita gente se deixa enganar pelas narrativas, incluirei uma parte didática nessa primeira onda. Não para explicar o básico da contabilidade, mas para chamar a atenção para os inúmeros artifícios contábeis que permitem o Fluminense apurar redução de déficit contábil ao mesmo tempo que explode seu rombo de caixa.
Assim, esperem edições tendo como cronologia os grandes grupos ilustrados abaixo
ATIVO CIRCULANTE
Vamos começar vendo a evolução do ativo circulante entre os exercícios de 2020 e 2019 e o que já foi reportado no primeiro trimestre de 2021. Em tempo, como eu já expliquei em edição anterior, eu não levo muita fé em anuais auditados, imaginem nesses trimestrais que não passam por nenhum tipo de revisão externa. Enfim, vamos ao quadro:
Toda vez que eu vejo um saldo de caixa positivo nos informes do Fluminense, imediatamente eu me lembro de todos os pedidos de penhora e bloqueio que acompanho o andamento e batem em contas com saldos negativos ou com valores pífios de centenas de reais a disposição no conta-corrente.
Num ambiente de elevadas dívidas, esses saldos são para lá de pontuais e nesse caso em específico eu tenho até alguma curiosidade em ver extratos e conciliações bancárias. O Fluminense, em virtude dos inúmeros pedidos de bloqueios que são colocados a qualquer momento, não pode e nem deve manter recursos no banco eu posso quase garantir a vocês que no primeiro dia útil após 31 de dezembro, esses milhares ou milhões de Reais são gastos para pagar contas, a maioria, provavelmente, em atraso.
Saldos elevados e pontuais em caixa são comuns na imensa maioria dos clubes de futebol. Na Europa, por exemplo, quantas vezes você já leu que o clube X tem Y milhões em dinheiro em caixa para investir? Funciona como uma espécie de gestão de expectativa e/ou sinalização de riqueza e poder. Até mesmo clubes europeus que apresentam piora em seu endividamento e tem receitas reduzidas, como na pandemia, tem a petulância de apresentar elevadas somas em caixa.
Caixa e equivalentes de caixa requerem análise em qualquer situação, pois fazem parte de um esforço de posicionamento nos grandes clubes, ou de narrativa nos menores e em dificuldades financeiras.
Vamos examinar isso com carinho e tentar obter mais respostas por meio do fluxo de caixa. De qualquer forma, é preciso muita atenção : os analistas que calculam a dívida líquida de caixa geralmente ficam aquém do necessário em seus comentários, não ajustando essa estratégia de apresentar valores elevados no saldo de caixa. Conjugando esse saldo para lá de efêmero com o risco de nem todos os passivos estarem contabilizados, se caminha para um belo equívoco.
Normalmente isso só é descoberto alguns anos na frente, quando informam que “descobriram” passivos não registrados ou contabilizados a menor. A favor da dinâmica da geração de conteúdo raso tem o próprio tempo a seu favor, afinal raramente alguém lembra dos elogios e análises feitas meses e meses atrás. E ainda tem a transferência da culpa para o gestor e o auditor, que informaram saldos não íntegros. Eu não consigo conviver pacificamente com essa postura cômoda, tanto que comecei a escrever por conta própria o que eu penso sobre esses balanços.
Vamos voltar aos saldos pontuais de caixa, mas dando uma olhada em fluxos mensais projetados, que eram disponibilizados no orçamento até 2020. Não me perguntem porque o fluxo mensal de caixa deixou de ser apresentado em 2021, isso não faz o menor sentido, ainda mais para quem se vangloria de ser super transparente.
Não há um bom histórico de apresentação do fluxo projetado. Eu tenho a impressão que ele foi introduzido na peça de 2017 com ajuda da consultoria externa que a gestão Abad contratou. Temos 3 fluxos orçados que foram distribuídos para conselheiros e subsequentemente foram publicados por portais:
Em 2018 o Fluminense, segundo seu fluxo de caixa, que foi votado e aprovado, informa que o ano começou com um rombo de caixa de redondo de 35 milhões de Reais. Não vou me alongar em rombos e/ou números redondos nesse momento. É um tremendo bico.
Segundo a projeção, o rombo chegaria em dezembro a 117 milhões de Reais, mas isso dependeria de todas as premissas orçamentárias ocorrem com exatidão, algo que não acontece em lugar nenhum do mundo.
E segundo os gestores do Fluminense, o exercício não foi tão ruim quanto o esperado.
Abrimos 2019 com um rombo de caixa de um pouco mais de 73 milhões de Reais, considerando que essa planilha seja minimamente confiável. A previsão de formação de déficit de caixa corrente para o exercício de 2019 nos faria chegar a um fluxo negativo de um pouco mais de 110 milhões no fim daquele ano.
No orçamento de 2020 somos apresentados a uma bizarrice chamada restos a pagar, apresentando um saldo de cerca de 120 milhões:
Esses “restos a pagar” nada mais são que o fluxo de caixa virado herdado de 2019, acrescido em 10 milhões com relação ao que tinha sido orçado.
Não me lembro de nenhum dos órgãos do Fluminense terem questionado esse estouro, ou até mesmo do gestor ter explicado isso a contento.
Uma jogada de marketing para poder apresentar alguns meses com saldos positivos mensais. Não passa de uma inutilidade tosca e um pega trouxa, de uns tempos para cá os demonstrativos do Flu se preocupam mais com marketing e narrativa do que informar corretamente.
Notem que a essa altura já temos como comparar nossos saldos positivos de caixa com o rombo de caixa. Um gaiato rapidamente vai aparecer e dizer que estou comparando laranjas com bananas, mas a ideia central aqui é mostrar a inutilidade da evolução patrimonial dessa conta e frisar uma vez mais que aquele belo saldo positivo, que nenhum credor acha ao colocar penhoras, é totalmente efêmero.
Para concluir essa edição, vamos voltar a falta de fluxo projetado em 2021 e uma narrativa que também me incomoda bastante: aquela que a gestão pagou mais de uma centena de milhões em dividas do passado.
Pois bem, a ausência de um fluxo projetado caí como uma luva para que essa falácia seja replicada em redes sociais.
Eu vos pergunto: qual a utilidade de pagar centenas de milhões de dívidas se eu passo a formar outra centena de milhões de novas dívidas?
Como poderíamos ter alguma sensibilidade sobre a eficácia desse esforço de pagamento de dívidas do passado? Analisando o fluxo projetado e percebendo que o rombo de caixa passou a ser decrescente.
Mas o fluxo projetado passou a ser aquele sofá do marido traído.
E a dívida não para de crescer.
Até a próxima.