Quando foi publicada originalmente no Revue, essa edição era exclusiva para membros. No processo de migração, resolvi liberar o acesso para todos vocês, para que possam ver na integra toda revisão sobre o plano do RCE.
Ela faz parte de uma pequena thread sobre O PLANO DE PAGAMENTO DE CREDORES do Fluminense. Ela aborda o fluxo de caixa projetado até o primeiro trimestre de 2025 e sua conciliação com os valores orçados para 2022.
Desde que assumiu em meados de 2019, a atual gestão resolveu nos privar de fluxos de caixa mensais projetados nos orçamentos apresentados para aprovação nos Conselhos.
Essa omissão é uma afronta ao Estatuto, que exige que o fluxo de caixa seja utilizado no controle da sua execução.
Se o controle orçamentário é feito, o fluxo existe e não é disponibilizado, faltando transparência. Se o fluxo inexiste, não há controle, o que seria uma falha gravíssima em termos de governança.
Mas depois de quase 3 anos, finalmente tivemos acesso a um fluxo de caixa consolidado para 9 meses de 2022 (abril a dezembro), 2023, 2024 e o primeiro trimestre de 2025, totalizando 36 meses de projeção:
Qual seria o motivo para esse fluxo com 2 períodos quebrados em 2 exercícios fiscais? A Lei exige que seja apresentada uma projeção para 3 anos. Isso inclusive está descrito no documento intitulado “Apresentação do Plano”, no item 7:
Alguma mente brilhante converteu os 3 anos para 36 meses e fez esses fluxos parciais que dificultam de sobremaneira a conciliação com valores anuais e até mesmo com o orçamento anual. Muito esforço para ser sempre muito transparente e nos permitir acompanhar a execução orçamentária.
Deu trabalho, mas valeu a pena.
Vou apresentar para vocês, queridos membros da newsletter, as principais divergências encontradas nesse processo de conciliação do fluxo do plano de pagamentos com o famoso apanhado de 8 slides que compõe o orçamento do Fluminense para 2022.
A inexistência de saldo inicial no fluxo
Meus amigos, alguma coisa mágica aconteceu em 01/04, algum tipo de big bang, um blip no melhor estilo dos filmes da Marvel, enfim, algum mega fenômeno que fez o Fluminense começar do zero, justamente no dia da mentira.
Eu levei um tempo para acreditar nisso e cheguei até a refazer as contas para ter certeza que o fluxo de caixa livre projetado para 2022 não considerava um saldo inicial:
Esses 520 mil do resultado de fluxo de caixa estão lá na figura meio borrada que faz parte do Plano de Pagamento a Credores do Fluminense. Eu circulei a captura da imagem do fluxo de propósito.
O que foi apresentado no plano desconsidera toda aquela necessidade de capital de giro que era informada nos pareceres até 2016 e que só pode ter aumentado depois dos déficits de caixa apurados nos últimos anos. Ignora que temos dívidas em aberto que compõe “restos a pagar” de períodos anteriores a 01/04/22. Enfim, os 520 mil resultantes, não querem dizer absolutamente nada. É um erro grotesco.
E pelo jeito isso tudo é erro conceitual colossal, pois saldos finais também não foram considerados na abertura dos anos subsequentes:
O que será que eles planejaram fazer com as sobras de caixa projetadas?
Será que esses profissionais tão qualificados e experientes, conforme palavras do próprio plano, nunca fizeram um fluxo de caixa projetado?
Sem o deficit de caixa de abertura, que todos nós sabemos que é um valor colossal, esses quadros são de uma inutilidade ímpar.
A receita do clube
Como o material do orçamento é extremamente raso, sem cortes trimestrais e fluxo de caixa, comparar o plano de pagamentos com o orçamento é uma tarefa árdua e muitas vezes improdutiva.
Contudo, logo de cara aparece algo bem estranho!
O fluxo de caixa projetado para 9 meses de 2022 equivale a praticamente toda receita orçada para 2022 no Clube Social:
O Plano traz muitas informações sobre as premissas utilizadas, mas sobre a receita do clube, não há uma única linha.
Compatibilidade das despesas operacionais
As receitas do clube não tem um fluxo bem definido, exceto aquelas ligadas as mensalidades. Cotas de TV, premiação e vendas não seguem um padrão e, portanto, não temos como fazer alguma estimativa confiável para transformar os 9 meses do fluxo nos 12 meses do orçamento.
Já as despesas, seguem algum padrão, fora aquelas relacionadas a logística de jogos.
Eu montei uma análise excluindo do orçamento os itens não monetários, naquela irritante abordagem “contábil” em vez de caixa, e comparei com um fluxo “anualizado” por regra de três:
O resultado foi uma grata surpresa que nos faz crer que o orçamento e o fluxo falam a mesma lingua sobre despesas operacionais! Isso é vital para o próximo ponto dessa edição.
O fluxo de caixa livre orçado x fluxo do plano
Se há consistência entre despesas operacionais do fluxo de caixa do Plano de Pagamento aos Credores e a peça orçamentária, podemos modelar isso tudo para estimar o fluxo de caixa livre a partir do orçamento e compará-lo com a parte não operacional do plano de pagamento de credores.
Isso precisa ser feito em função da abordagem conflitante de períodos entre o orçamento de 2022 e o fluxo projetado de 2022 no plano de pagamento de credores. Não há outra forma de começar a analisar isso dado o esforço em dificultar o rastro dos números.
As estimativas a serem feitas com base no orçamento 2022 seguem as mesmas premissas de expurgo de itens não monetários da receita orçada, o qual, num primeiro cenário, implica que 24 milhões da receita são originárias de permutas e parcerias e não há encaixe de valores nos cofres do clube.
O resultado não é nada animador:
Aparentemente faltam cerca de 37 milhões na peça orçamentária para poder quitar os 70 milhões do não operacional do fluxo do plano de pagamentos.
Para quem acompanha os tweets, a red flag sobre a ausência de valores ligados ao plano de pagamento no apanhado de slides já tinha sido postada.
Ignorando a possibilidade de existir receita arbitrada de permutas no orçamento (algo muito improvável), ainda assim há insuficiência, pois o gap de 37 milhões é superior ao ajuste de estimativa de 24 milhões. Ainda faltariam 13 milhões em toda essa história, mas esse cenário só tem alguma utilidade em fortalecer a tese que falta caixa, segundo o que foi orçado, para quitar aqueles 70 milhões durante 2022.
É preciso ter em mente que desses 70 milhões, 51 milhões já parecem estar comprometidos com acordos e parcelamentos já contratados.
Os 19.5 milhões de 2022 seriam algo “novo”, mas aparentemente falta dinheiro para isso.
“Onde está Wally?”
Como foi supracitado, não é muito correto “anualizar” receitas, já que elas não tem um comportamento regrado ao longo dos meses. Mas é preciso entender o motivo pelo qual, pela ótica do orçamento apresentado, faltam recursos que sobram no plano de pagamentos.
Por outro lado, o plano indica elevada receita no primeiro trimestre de 2025, o que também não é muito usual.
Os primeiros trimestres são caracterizados por um mês de férias e pré-temporada, sem receita de TV, competindo prioritariamente no deficitário Estadual, participando de fases preliminares de torneios continentais ainda com premiação/cotas muito baixas. Há risco, portanto, do fluxo ter sido realmente “anualizado” para ter tanta receita no primeiro trimestre.
São várias ilações e suposições que só acontecem em função de total falta de transparência. Inexistem orçamentos analíticos, cortes trimestrais, fluxos projetados mensais, enfim, elementos que permitam as pessoas entenderem os números sem ter que fazer n suposições e trocentas análises para tentar compor e comparar as coisas.
A opacidade dá lastro a discussão rasa, a defesa de “dogmas”, fazem com que a manada de marmitas tenham algum tipo de conforto para defender o indefensável através de narrativas torpes, como por exemplo a do valor da Folha de Pagamento.
Eu resolvi então, “anualizar”as receitas para ter uma ideia do que pode estar acontecendo, afinal não há muito rastro. Eis o resultado:
Esse número redondo na diferença entre as estimativas me deixa muito intrigado. Enfim, há fortes indícios de excesso de receita no plano de pagamento. Vamos ver o que descobrimos revisando o longo texto de premissas de projeção de receitas na próxima edição.
E a saída de caixa do administrador judicial?
Em 22/03/22 foi definido em juízo que o plano de pagamento teria um administrador judicial:
Remunerado a 4% do valor do plano, que contempla os seguintes valores:
sso resulta em R$8.696.591,84 de honorários.
Esses valores não são identificados no fluxo de caixa projetado, muito menos no orçamento de 2022.
Em condições normais, os 4% serão pagos na medida que se quitem os acordos. Utilizando as próprias projeções do Fluminense, teríamos o seguinte fluxo de saída omitido no plano:
2022 (9meses): 780 mil
2023 e 2024: 960 mil em cada ano
2025 (3 meses): 180 mil
Valor a ser pago após o primeiro trimestre de 2025: 5.8 milhões, sobre um saldo em aberto aproximado de 145 milhões.
Sim, o fluxo, por se limitar a 36 meses, não cobre todo o período do plano de pagamentos. Mais uma vez, alguma mente brilhante limitou apresentar o fluxo de caixa para 3 anos, quando na prática os planos podem levar de 6 a 10 anos.
Seria preciso considerar potenciais descontos, mas a grosso modo, o fluxo apresentado cobre somente cerca de 1/3 do pagamento das dívidas consolidadas nesse plano.
Malandro Agulha
Essa questão do administrador judicial está sendo “discutida” na Justiça.
A gestão do Fluminense acha que ele não é necessário, aliás isso foi até usado como argumento no Twitter quando eu postei a decisão.
Vamos ao pedido da gestão:
A resposta didática do juízo:
Provavelmente vocês lerão algum tipo de narrativa que esse custo de mais de 8 milhões não existe ou está em discussão, ainda mais pela falta de sua previsão no fluxo do plano de pagamento.
Aparentemente, isso também contribui para o atraso no inicio dos depósitos em juízo e nas negociações em si. Não há notícia de que a primeira parcela tenha sido depositada e como todos nós sabemos, essa gestão solta fogos quando cumpre suas obrigações mais básicas, como pagar em dia a folha.
Procrastinar alarga o período da moratória imposta, com todas as execuções suspensas.
E nem com essas suspensões, as contas estão em dia. Imaginem então manter esse plano adimplente. Cada vez mais complicado levar muita fé na capacidade de pagamento do Fluminense.
UPDATE EM 30/04/22
O Administrado Judicial aceitou em reduzir para 2% seus honorários.
Sendo assim, não faltam mais 8.6 milhões, mas sim 4.3 milhões.
Sendo assim, a lambida de selo resultou em economizar metade do que nem estava previsto.
Sendo assim, nunca passou de blá blá blá o argumento que o administrador não era necessário.
Segue o jogo, mas antes uma antiga citação:
“Não se olvide que a liberdade de expressão (de informar, de criticar, etc.) é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. A livre manifestação do pensamento é garantia constitucional, devendo ser assegurada em toda sua plenitude, nos vários veículos de comunicação, inclusive nas redes sociais”, me permitindo uma única alteração: Revue, “no caso concreto”.
No texto original de onde isso foi extraído, ainda há uma nota de rodapé usada:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (Art, 220, caput, Constituição da República)‘.
Próximas edições…
O plano ainda tem mais dois itens a serem destrinchados, mas antes disso vamos olhar com mais carinho as premissas de receitas e despesas do fluxo projetado para os 36 meses.
O item V trata dos 268 credores a serem contemplados nesse plano de pagamento de um pouco mais de 217 milhões.
O item VI trata da viabilidade do plano e sua eficácia e no item VII temos considerações finais.