Depois de anos e anos longe de uma Big4, acabei forçado a voltar a enfrentar a tediosa tarefa sobre o processo de aceitação um cliente de auditoria. É algo muito monótono, insuportável de fazer no dia a dia com outras trocentas demandas concomitantes, mas ainda assim obrigatório e crucial para evitar problemas.
O processo de aceitar ou continuar (renovar) um contrato de auditoria independente (externa) sempre foi muito rigoroso e, após os eventos da Enron e da WorldCom, tornou-se um pesadelo completo. Se eu fosse cobrir tudo o que precisa ser feito em detalhes, teria que escrever um livro, ou melhor, mais um.
Portanto, tentarei ser o mais objetivo possível e lidar com os macros objetivos inerentes à análise da aceitação de um novo cliente. Afinal, este é o caso em estudo: a situação utópica em que uma Big4 pode auditar um clube brasileiro de futebol.
Por onde o auditor começa? Pela reputação do potencial cliente.
É preciso ter em mente que o auditor não pode agir como um torcedor. Em nenhum dos momentos, a começar pelo processo de aceitação.
Auditores não podem acreditam nos departamentos de memória dos clubes e não devem dar a mínima importância para a sala de troféus. Auditor também não pode ser fã de gestor. Pelo menos não deveriam.
A análise de reputação envolve diversos tipos de pesquisas, e normalmente surgem elementos altamente prejudiciais relacionados ao contencioso de clubes de futebol.A maioria dos clubes tem a reputação de devedores que não honram seus acordos e confissões de dívidas recorrentemente, além de ter vários problemas de conformidade relacionadas a sua parte tributária, obrigações trabalhistas e previdenciárias. Alguns deles já foram expulsos dos programas de recuperação do Governo. É comum atrasar a entrega de orçamentos, demonstrações financeiras, entre outros problemas.
Normalmente, todas as red flags que surgem dessas pesquisas sobre a reputação de um clube de futebol no Brasil, deixa uma árvore de Natal cheia de pisca-pisca morrendo de inveja.
A análise de reputação visa mitigar dois riscos para o auditor: o risco de associação, tendo seu nome envolvido, ainda que involuntariamente, em atos polêmicos ou ilegais de gestão pouco sérias, e o risco de crédito, que consiste no recebimento ou não dos honorários de auditoria.
De uns tempos para cá clubes começaram a sugerir parcerias e troca de honorários por publicidade em placas, backdrops, ou até mesmo nas páginas de seus sites. Na minha opinião isso é completamente inadequado, tanto no oferecimento da parceria, tanto na aceitação. Prejudica demasiadamente a independência, que já vive no limiar a partir do momento que é o gestor que te contrata e te remunera.
A questão de independência é o fator chave para um opinião ter credibilidade. Esse é um tema complexo e algumas vezes polêmico, mas acredito que deveria haver consenso na vedação entre auditores e clubes de futebol. Isso equivale, por analogia, a furar o sinal vermelho a uns 160km/h.
Vamos supor que o auditor decidiu fechar os olhos para os problemas detectados na análise de reputação e deu luz verde na aceitação, afinal, existem loucos para fazer de tudo nesta vida. Big6 se transformaram em Big4, basicamente, porque existe muito auditor sem noção por aí.
Mais pesquisas serão realizadas nos próprios gestores. Não vou perder meu tempo detalhando este tópico. É altamente problemático no Brasil, pois às vezes mistura poder público e privado, interesses conflitantes e até mesmo pessoas com antecedentes criminais extensos que estão de alguma forma envolvidos na administração, direta ou indiretamente.
Você pode estar se perguntando a essa altura se toda firma aplica esse protocolo de revisão dos riscos de associação. Não sei te responder isso. Por norma deveriam fazer e são revisadas, interna e externamente para conformidade. Eu tive a sorte o prazer de trabalhar numa extremamente rigorosa nesse aspecto. O processo é perfeito? Não. Nenhum processo que envolve julgamento é infalível, mas há como identificar e responsabilizar os tomadores de decisões arriscadas, e isso faz toda a diferença.
A estrutura de negócios do potencial cliente também é analisada, com base em informações públicas e entrevistas com pessoas-chave da gestão. As demonstrações financeiras e opiniões dos outros auditores são consideradas e estudadas durante essa fase de aceitação do projeto.
Os auditores também analisarão os potenciais conflitos de interesse internamente para verificar qualquer serviço conflitante ou relações comerciais (várias preocupações e várias normas neste ponto).
Finalmente, tudo será documentado em formulários internos com vários anexos e será discutido no c-level da Big4. Isso pode envolver até uma revisão por pares, além de intensa participação da área de gerenciamento de riscos. O futebol é um segmento perigoso, pré-definido e sujeito a várias aprovações internas. Se tudo correr bem, eles aceitam o novo cliente de auditoria.
Apresentarei algumas opções que uma clube tem para trilhar o caminho de uma aceitação. Uma negativa não é extensiva as demais práticas e nas postagens futuras desta thread isso ficará bastante claro para todos vocês.
Consultorias, Diligências e Investigações são o caminho para os clubes brasileiros serem preparados para ter uma auditoria externa realizada por uma Big4. Mas existe uma ordem para atingir os objetivos. Normalmente, os clubes brasileiros ignoram essa “escada” e querem ir logo para o último degrau. Os torcedores então, que acham que a auditoria é algo tão mágico como um mecenas com bilhões para gastar com os melhores jogadores do planeta, estão mais perdidos ainda.
Até a próxima parte!