Chegou a hora de entender o que faz uma auditoria independente e perceber que a maioria das “solicitações de auditoria” não são pertinentes. Na prática, esses pedidos não fazem sentido.
Nos clubes brasileiros, a auditoria externa ocorre anualmente para revisar um exercício que começa em 01/01 e termina em 31/12 do ano em análise. Nosso presidente usou esse mesmo argumento para rebater alguns pedidos mais acalorados sobre a realização de auditoria, e ele não estava errado em argumentar dessa maneira. As auditorias ocorrem desde 2006, pelo menos.
Seu objetivo é revisar as Demonstrações Financeiras, as quais são compostas pelo Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado, Fluxo de Caixa, entre outras tabelas e notas, verificando que não apresentam erros materiais e que estão em conformidade com a legislação e normas que regulam a preparação dessas demonstrações.
O que seriam os erros materiais? O auditor arbitra um valor com base em sua metodologia e regras da profissão (também conhecido como audit approach ou enfoque de auditoria), que servirá de parâmetro para a tolerância ou não de erros na contabilização e apresentação dos saldos em 31/12, ou qualquer outra data interina que se emita algum tipo de parecer. Observe que essa questão de materialidade por si só indica que uma demonstração financeira auditada não garante 100% de integralidade e precisão nos balanços.
Em seguida, os ajustes são apontados ao longo da aplicação dos procedimentos planejados na auditoria. Não tenho experiência fora de Big4, mas nelas, existem pacotes e softwares que permitem você modelar o que será feito, sem que seja possível abrir mão ou ignorar procedimentos obrigatórios. Tratarei com mais detalhes sobre isso na parte 2.
A cada teste em grupo de contas de balanço, podem surgir erros ou omissões, que são controlados e somados em um papel de trabalho normalmente chamado de folha de ajustes.
Se algo ultrapassa individualmente a materialidade, é necessário ajustar as demonstrações. Caso contrário, o auditado enfrentará algum tipo de exceção/ressalva na opinião da auditoria. Também é necessário considerar a soma dos ajustes propostos, e se este valor for superior ao parâmetro, pelo menos alguns ajustes deverão ocorrer para evitar apontamentos no parecer.
Notem mais uma vez que o conceito aplicado de materialidade induz ao fato de nem tudo estar 100% certo. É importante demais ter esse conceito em mente, por n motivos.
Também existem preocupações em relação à conformidade da divulgação em si, mas isso não é muito relevante por enquanto. Embora tenhamos observado vários problemas com relação à apresentação nos clubes brasileiros, a maioria deles são completamente ignorados. O Fluminense conseguiu a proeza de ter uma ressalva no passado, durante a gestão Peter, por não informar os percentuais de direitos econômicos que detinha sobre os atletas contratados. Até hoje algumas contas são abertas com o saldo de “outros” em valor relevante. Isso é uma das coisas mais irritantes e opacas que observo nesse tópico de divulgação, mas deixarei para tratar disso com mais detalhes na thread permanente de análise dos balanços e trimestrais.
O torcedor de futebol que solicita uma auditoria quer saber sobre fraudes, perdas em transações específicas, se alguém está prejudicando o clube, etc.
Tentarei resumir o máximo possível quais seriam os procedimentos para uma auditoria externa anual do clube, para mostrar que as demandas específicas dos torcedores nunca serão cobertas por uma auditoria externa.
Em tese, o trabalho deve começar com o planejamento da auditoria, o que implica em coletar elementos para entender o negócio do auditado, sua inserção em seu mercado. Concomitantemente com um procedimento de revisão das oscilações nos balanços e nas demonstrações do resultado.
É necessário definir uma estratégia para a revisão dos controles internos, os quais deveriam ter sido mapeados neste processo de planejamento, realizando, por amostragem, testes de natureza operacional que permitam conforto que o auditado realiza efetivamente tais controles.
Um dos objetivos dessa fase de avaliação dos controles internos é mensurar a extensão e o tipo de procedimento adotado em cada balanço e conta de resultado. Como há confiança nos controles, o trabalho torna-se mais analítico. Se não houver confiança ou se não houver controles, a abordagem envolve um grande volume de verificações documentais e confirmações externas. Em seguida, passa a realizar os procedimentos de auditoria das contas.
Descreverei esses procedimentos na parte 2, amarrando-os com o equivoca desejo dos torcedores. Até a próxima !