Nessa parte elaborei um resumo conciso dos procedimentos de auditoria em um Clube de Futebol. Não tomem isso como algo completo e perfeito, que pode ser aplicado na prática. É um mero referencial dentro da discussão proposta nessa thread. Um programa de trabalho completo de uma auditoria de clube deve ter dezenas de páginas, podendo ultrapassar uma centena, em casos mais complicados que exigem procedimentos alternativos, ou que problemas graves vieram ao conhecimento do auditor e ele precisa documentar a resposta no que foi planejado incialmente.
A apresentação se dá pelos principais grupos de conta.
CAIXA E EQUIVALENTES: o auditor solicita extratos bancários e reconciliações para análise e verificação cruzada entre registros contábeis e documentação fornecida. Eles enviam cartas de confirmação de saldo para todas as instituições financeiras, incluindo aquelas sem saldo. As instituições financeiras que já operaram e não mais operam também receberão essas cartas.
CONTAS A RECEBER: é enviado novamente cartas de confirmação de saldo a terceiros, e teremos dois tipos de análises; i) confronto com documentação (normalmente contratos e notas fiscais) e movimentação financeira (extratos); e ii) estudo sobre a qualidade desse contas a receber, seus vencimentos e a necessidade de constituição de provisões para devedores duvidosos.
ATIVO FIXO: basicamente, irão revisar as adições por amostragem, verificando se os itens foram capitalizados de forma errada ou não. Eles validarão cálculos de depreciação e amortização, testar alguns write-offs, analisar movimentação. Se você tiver a sorte de ter contratado um bom auditor, ele realizará testes de impairment (redução ao valor recuperável, que são procedimentos para avaliar a necessidade de reconhecer perdas nesses ativos, mesmo que temporárias). Algumas pessoas acham um exagero esses cálculos de impairment, que nem são restritos a ativo fixo na prática. Recomendo a leitura, por exemplo, das demonstrações financeiras do Barcelona, onde temos múltiplas apresentação de efeito de impairment.
CONTAS A PAGAR / FORNECEDORES: mais uma vez, um festival de cartas de confirmação, verificação de análises, contratos por amostragem. Se o seu cliente é um clube notoriamente caloteiro, é necessário realizar um procedimento denominado passivo omitido. O auditor pegará os registros bancários subsequentes e começará a vincular os valores desembolsados às provisões registradas. Bem, pelo menos eles deveriam fazer isso.
DÍVIDA / EMPRÉSTIMOS: uma nova onda de cartas de confirmação de saldos, cruzamento com extratos e contratos.
IMPOSTOS: revisão de memórias de cálculos, exame de boletos pagos e diversos testes de estimativa de impostos devidos. Aqui é imperativo lembrar o conceito de materialidade e questões de conformidade. A auditoria das Demonstrações Financeiras está longe de ser uma auditoria tributária em relação aos procedimentos e revisão das práticas adotadas.
CONTINGÊNCIAS:mais uma vez são enviadas cartas, agora aos advogados externos do clube, para que eles informem todas os processos em andamento, seus valores atualizados e a probabilidade de perda dessas reclamações. Em um clube de futebol normal, onde dezenas de questões surgem semanalmente, é bem complicado de ser feito. Em algum momento, é necessário definir uma data de corte, e mesmo com a aplicação de procedimentos de eventos subsequentes, você não conseguirá auditar isso como deveria. É um daqueles riscos operacionais que você senta em cima e acende uma vela para não explodir algo material dentro do prazo de emissão da opinião ou de algum relatório de procedimentos pré-acordados.
Conforme mencionado nem edição anterior, o contencioso deve ser considerado no processo de aceitação. O volume de reclamações surpreende qualquer Big4 e qualquer auditor que esteja minimamente preocupado com sua reputação.
RECEITA / DESPESAS: aqui, teremos um excessivo exame documental e confronto com contratos e extratos. Mas observe que você será confrontado com o que está escrito e não com as condições do negócio. Não existe nenhum procedimento para analisar se o jogador A foi bem ou mal vendido, se os comissários estão recebendo muito ou pouco dinheiro, se há excesso de comissionados, se a divisão dos direitos econômicos é justa, etc…
No máximo, quando se trata de despesas, o auditor precisa buscar elementos de que o serviço prestado, o direito ou o bem adquirido existe ou o serviço foi executado. E isso acontece por amostragem aleatória. Você não pode ter uma amostra com casos previamente escolhidos. A norma exige que sejam aleatórios.
Existem mais procedimentos, mas creio que, a esta altura, já percebemos que a auditoria não corresponde ao desejo de caçar bruxas, nem tem uma extensão que nos permita dizer que tudo o que está errado foi identificado. O foco são as demonstrações, sua apresentação e se não existem erros materiais, algo completamente distinto do deseja do torcedor comum que clama por auditoria em cada venda desastrosa, em cada processo milionário que surge e que fica revoltado com déficits operacionais fora do futebol.
Vale lembrar que o Fluminense ajustou suas Demonstrações Financeiras anteriores, que haviam sido auditadas, sem que nada fosse apontado como erro ou exceção nas contas que sofreram ajustes posteriormente.
Reflitam! Até a próxima parte!