Depois de duas semanas de diagnóstico e outra semana de preparação e discussão dos resultados com os gestores do clube, é hora de desenhar um escopo. O diagnóstico geralmente resulta na escolha de uma diligência como ponto de partida nos projetos. As diligências podem ser financeiras, incluindo revisão tributária, governança e controles, podendo até abranger a área de tecnologia da informação (TI).
Normalmente, a situação indica a necessidade de várias práticas para trabalhar em várias frentes, mas entendo que esta abordagem é infrutífera e muito cara. Nos casos em que uma grande equipe de especialistas está envolvida, as horas orçadas praticamente triplicam, aumentando os honorários a serem pagos em clubes que normalmente têm sérios problemas de caixa. É o melhor atalho para dar tudo errado.
Ao classificar a gravidade dos problemas identificados, muitas vezes observa-se que os de natureza contábil, financeira e fiscal ocupam as primeiras posições dos relatórios. Os problemas de TI e governança parecem irrelevantes quando comparados às questões financeiras e fiscais.
Além disso, as soluções de governança e TI exigem que mais recursos sejam desembolsados, o que é escasso em tempos de crise financeira.
Há um argumento de que governança e consultoria de TI subsidiam um “choque de gerenciamento”. É uma das maiores falácias que os consultores inventaram para vender mais serviços. Na prática, acabam traçando novos organogramas e aumentando despesas com novas contratações e várias indenizações. Se o clube bobear, a consultoria ainda indica novos profissionais nessa dança das cadeiras que vão gerar futuras demandas de serviço. O clube se torna uma vaca leiteira para Big4 e seus consultores, usando a terminologia do modelo da matriz BGC.
A implementação precoce de planos malucos de governança também aumentam a rotatividade, o que tem sérias implicações para a execução de diligências financeiras. É preciso lembrar que no ambiente de falta controle e documentos, e a busca de informações passa necessariamente pelas pessoas que já estavam nos clubes.
Durante a diligência financeira, o dia a dia permite uma avaliação ainda mais precisa do grau de engajamento e capacidade da equipe interna do clube. Ao final, você tem muito mais elementos para decidir se deve descontinuar ou não um gerente ou funcionário, em melhores bases do que em qualquer avaliação de especialistas em governança ou recursos humanos.
A parte de TI vai depender muito do que está planejado como uma futura estrutura ótima. O trabalho das consultorias geralmente parte de um cenário utópico, próximo da perfeição, sem pensar nos demais fatores e na conjuntura do clube. Como resultado, implica em gastar muito dinheiro fora do core business. Há tempo para tudo e entendo que você possa melhorar a TI no futuro, depois de fazer muitos outros ajustes financeiros e administrativos.
E qual seria, em geral, o escopo da diligência financeira e fiscal?
Pode variar muito dependendo das características e peculiaridades de um clube. No entanto, podemos listar procedimentos comuns a qualquer diligência já realizada em vários clubes.
Uma revisão da contabilidade do clube será realizada de forma detalhada. Todos os grandes grupos de contas do balanço patrimonial passaram por algum tipo de verificação, muito semelhante aos procedimentos analíticos aplicados em uma auditoria.
A grande vantagem é que, por não se tratar de uma auditoria, é possível trabalhar com amostras não aleatórias, com foco em problemas diagnosticados e resultados preliminares. Oferece muito mais flexibilidade e resulta em um produto muito mais útil para o clube. Todo saldo vai ser um detalhamento, explicado, os problemas identificados são tratados e discutidos, algo que você não encontra nas notas de balanço anual ou trimestral. Nas receitas e despesas, é realizado um trabalho minucioso, muito mais profundo do que qualquer auditoria. Há preocupação em identificar irregularidades, desvios e fraudes.
Você acaba tendo acesso a quase todos os contratos relevantes e pagamentos, cruzando as informações, validando provisões e levantando passivos não registrados. Em suma, você tem liberdade de ação sem a implicação de ressalvas nas opiniões de todo engessamento das normas de auditoria. Não é emitida opinião de auditoria! O trabalho está focado em apoiar o processo de decisão da gestão do clube. Aqui estão os seus problemas, nós sugerimos que faça esse ajuste, que implemente controles, etc… Para cada problema, uma solução ou sugestão do que deve ser feito, ainda que mera indicação de nova fase do projeto.
Uma auditoria não pode propor soluções nem sugerir nada. Só indica erros e problemas e vida que segue, até o próximo exercício a ser auditado.
Há também um processo exaustivo de confirmação de saldos. Tentamos confirmar tudo que for possível. É muito mais amplo do que em uma auditoria e, na falta de respostas, outros procedimentos aplicados acabam ajudando a amarrar todos os saldos e identificar muitos problemas. Esta parte da diligência alimentará principalmente a análise sobre o contingências.
As transações financeiras também são analisadas com uma lupa. Tal análise não acontece com este nível de rigor em uma auditoria. Esta análise encontra passivos omitidos, não conformidade contratual, pagamentos em não conformidade, falta de pagamentos diversos, pagamentos irregulares, etc. Nada disso é o objetivo de uma auditoria anual. A diligência é muito mais útil do que auditorias.
Esses procedimentos listados ajudam a formar uma boa ideia do passivo real de um clube, lembrando as limitações que expliquei anteriormente. O fluxo de caixa ganha mais previsibilidade e você passa a ter elementos para desenhar um processo de reestruturação.
A diligência financeira também mostrará em quais áreas você perde dinheiro. É essencial ao traçar a estratégia de reestruturação. Existe um clube que nós conhecemos bem que fala que está em reestruturação, mas segue perdendo rios de dinheiro fora do futebol.
Há um capítulo muito específico na diligência financeira do clube que merece muita atenção: a revisão das transações com jogadores.
Ela é executada para ajudar a formar uma fotografia mais próxima da realidade do seus ativos, passivos, contingências, determinar todos os custos das transações e mostrar se esse processo é lucrativo ou não.
É um assunto que merece uma thread maior do que essa. Mas a revisão das transações serve principalmente como gancho para uma das fases futuras que descreverei aqui: a da investigação.
Os itens de patrimônio também são revisados. Para ser muito franco com você, isso é feito para identificar capitalizações indevidas em itens de imobilizado e ativos intangíveis. Uma das formas mais sórdidas de gerar lucro em clubes insolventes é registrar indevidamente despesas como ativos, registrar ativos que não existem, reavaliar, etc.
Deixei a revisão tributária por último, pois funciona como uma receita de bolo para qualquer tipo de organização que seja diligente. No futebol brasileiro, os consultores fiscais têm até sorte, pois vários programas de recuperação consolidam dívidas públicas de vez em quando. As consolidações acabam reduzindo significativamente o volume de revisão. Por outro lado, a previdência e a parte trabalhista são um pesadelo. A não conformidade é padrão. A falta de pagamentos também. As reivindicações são as mais diversas possíveis e ainda há uma eterna discussão sobre os regimes de trabalho (PJs, imagens e CLT).
A revisão fiscal é essencial. Além disso, para o ajudar a registar as suas dívidas, irá criar um pipeline de potenciais contingências, o famoso passivo oculto de cada clube. A gestão de passivos é essencial em um processo de reestruturação.
Espero que ao final dessa edição, você tenha percebido como diferenciar uma narrativa de reestruturação de um processo real, através de diagnósticos e levantamentos de informação. É por isso que existem clubes que estão se reestruturando há 10 anos e pedem mais 9 anos até chegar numa situação administrável.
Nunca acontecerá. Os dez anos que se passaram provam isso. Dar mais nove, sem a adoção dos procedimentos descritos nessa e na edição anterior, é muita burrice.