A BOLA NÃO ENTRA POR ACASO traz uma discussão muito interessante de como os clubes se dividem no mercado da bola.
Poucos lideram suas ligas, prosperam seguidas vezes em torneios continentais e se tornam marcas globais. Ferran atribui isso a um processo de reinvenção contínua da logica do mercado, inovar e antecipar tendências, criá-las e tudo mais, no sentido mais amplo de liderança e totalmente alinhado com uma postura corporativa.
Ele deixa bem claro em toda obra que essa postura precisa ser efetiva, o que nós sabemos que muitas vezes nos clubes de futebol, governança não passa de fachada. Nosso clube, por exemplo, extinguiu sua vice-presidência de governança recentemente, e cá para nós, nunca soubemos se ela exercia algum papel no dia a dia da gestão; as funções foram acumuladas pelo VP de Finanças, que agora executa e checa a conformidade do que faz. Conflitos de interesse e Fluminense andam de mãos dadas desde 2014, e isso é mais uma situação em que se identifica um abismo entre o que o livro defende a realidade tricolor.
Infelizmente, a situação supramencionada é apenas um dentre os vários casos que indicam que a tal postura de “diretor de corporação multinacional” passa muito longe do Fluminense.
A atual gestão iniciou seu mandato empossando colaboradores de campanha, desde ex-jogadores, a soldados que operavam em redes sociais, fora outros arranjos, empregando presidente de grupo político usado no processo eleitoral. Se juntaram a antigos colaboradores que já vinham de várias gestões passadas. Algumas pessoas têm currículo para pleitear vaga em gestão, fazendo aqui uma vista grossa para potenciais problemas observados em alguns backgrounds checks que você efetue. Mas a imensa maioria, não tinha experiência dentro e fora do futebol. E isso vem de longa data, talvez desde 1998, pelo menos.
É notório que o presidente atual herdou problemas de gestões passadas, mas ele mesmo fez parte de todas elas, pois entrou no clube no final da década de 90, no ápice da nossa desgraça, com a queda para a 3ª divisão. Na medida que você se formou ali e mantém de uma forma geral os mesmos quadros de gestões que “floparam”, você está se distanciando ainda mais do que o livro prega como essencial para ter sucesso. Isso é elementar.
Isso nos leva a segunda categoria que Ferran apresenta: a dos clubes coadjuvantes do mundo da bola. São os clubes que até entendem o funcionamento básico da indústria, mas não a reinventam e não lideram a inovação. Times que sobrevivem ao longo do tempo ficando no meio da tabela e participando até onde for possível dos torneios que se classificam. Clubes conformados com o fato de serem coadjuvantes e que se contentarão com as esparsas conquistas por obra do acaso.
O livro não trata de uma terceira categoria, que infelizmente existe. Dos clubes que não entendem nem o básico da indústria, ou que perderam o foco até mesmo na sua sobrevivência e continuidade. Ferran pensa grande, em ligas bem desenvolvidas, mercados de alta rentabilidade, algo oposto à nossa realidade no Brasil.
Há também uma discussão interessante entre o insucesso de grandes executivos de mercado no mundo da bola, e a situação oposta, onde alguém que surge do nada próspera em termos de gestão de futebol. Esse trecho me parece uma daquelas armadilhas que citei em edições anteriores, onde se pinça algo para justificar ações nada racionais.
Soriano atribui esse sucesso ou insucesso, uma vez mais, a capacidade do gestor entender o mercado que está inserido e a escolha do tipo de mercado em que ele se inseriu, dando a entender que existem os mais complexos e os menos complexos, o que não deixa de ser verdade. Temos ligas fraquíssimas por ai.
Vamos voltar ao Fluminense, para descontruir a possibilidade de uso desse trecho pinçado na formação do seu conselho diretor e demais colaboradores.
A imensa maioria das pessoas que estão em cargos-chave de gestão já tiveram tempo de sobra para mostrar serviço. Por mais que as narrativas, cada vez mais agressivas, tentem empurrar pela nossa garganta resultados positivos, melhoras operacionais e um caminho longo para atingir o saneamento, os números não mentem. Ou melhor, podem até não refletir com exatidão a realidade, mas deixam indícios de sobra que nos impedem de comprar o discurso de cunho eleitoral de um modelo associativo cada dia mais fraco do ponto de vista técnico.
A bola não entra por acaso, nem as dívidas explodem a troco de nada. Para os leitores que estiverem acompanhando as edições do #darkside, não há como acreditar na hipótese que as pessoas que caíram de paraquedas na gestão, irão performar a contento e reverter o quadro de pré-insolvência em que nos encontramos. Parecem mais aqueles jabutis colocados no alto de uma árvore.
E o modelo associativo é o que dá lastro para isso tudo.
Ainda não terminei, temos mais assuntos a serem discutidos a partir do livro e seu antagonismo a realidade do Fluminense.
Até a próxima!
STs
Vamos a parte mais divertida:
“Não se olvide que a liberdade de expressão (de informar, de criticar, etc.) é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. A livre manifestação do pensamento é garantia constitucional, devendo ser assegurada em toda sua plenitude, nos vários veículos de comunicação, inclusive nas redes sociais”, me permitindo uma única alteração: Revue, “no caso concreto”.
No texto original de onde isso foi extraído, ainda há uma nota de rodapé usada:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (Art, 220, caput, Constituição da República)‘.
E nessa edição, a frase de Nelson Rodrigues escolhida foi essa aqui:
“Amar é dar razão a quem não tem”.
STs