Quando eu li a “entrevista” do nosso presidente ao Globo Esporte em 16 e 17 de junho, tive a nítida impressão de que havia algum tipo de problema no uso da obra de Ferran Soriano como guia da suposta transformação que o Fluminense vem sofrendo. Vejam a citação abaixo:
Não só pelo incrível erro de datas de publicação do livro e todas aquelas informações que misturavam narrativa rasa e encheção de linguiça, afinal isso pode ter se originado no egocentrismo inerente do presidente, onde as coisas passam a existir a partir do momento que ele toma conhecimento e as endossa. Mas quem leu o livro com atenção e não tem qualquer tipo de deficiência cognitiva ou de caráter, sabe que a realidade dos fatos por aqui é diametralmente oposta ao que a obra prega e se propõe como guia para transformação da gestão e performance de clubes de futebol.
Eu tenho uma versão traduzida do livro no formato de e-book. Estava bem baratinho no Kindle uns anos atrás e como eu estou migrando minha biblioteca para versões digitais, acabei comprando. O Kindle tem uma ferramenta que eu odeio, onde apontam trechos onde a maioria dos leitores que utilizam a ferramenta, fazem marcações em suas leituras. Mas isso acabou me dando um estalo…
Essas marcações e trechos, tomados sozinhos, fora do contexto e da linha de raciocínio do autor, podem derivar em interpretações bastante peculiares. E quando você lembra que vivemos entre pessoas que abusam da manipulação e pinçam pedacinhos aqui e acolá para dar sustentação as suas fraquíssimas narrativas, tudo começa a fazer algum sentido.
Eu inicie minha resenha original citando uma frase de um suposto gestor do Barcelona, apresentada nas primeiras páginas do livro, que na época me deixou imediatamente com uma pulga atrás da orelha. A impressão original é que nessa primeira página residia a semente de uma das piores narrativas usadas na indústria da bola. O falacioso argumento que a réplica do profissionalismo do mundo corporativo pode ser aplicada diretamente no futebol e que isso traz resultados positivos. Soriano, ao longo das páginas, vai amarrando a necessidade de uma postura profissional com as peculiaridades do mundo da bola. Mas notem que o que acabei de escrever sobre tomar trechos como algo definitivo e fora do contexto, podem induzir a erros. E isso é um prato cheio para quem se propõe a criar narrativas.
Em linhas gerais o livro aborda todo processo de transformação de um Barcelona combalido e nas cordas, prestes a se tornar mais um dos coadjuvantes do futebol, até a reconquista da Champions, com uma suposta reestruturação financeira. Não vou me alongar aqui no case Barcelona, que hoje voltou, guardada as proporções, a mesma situação que Ferran herdou como dirigente em 2003, com elevadas dívidas e um time envelhecido e que não ganha nada tem tempo.
Mas a obra, mostra que Ferran Soriano consegue fazer uma leitura próxima da perfeição da evolução da indústria do futebol e traçar caminhos, a meu ver reativos, para recuperar o terreno perdido pelo Barcelona.
Prognósticos e previsões não são o seu forte, a maioria dos cenários futuros que ele traça de forma tímida em seu livro não se realizaram e/ou os players de destaque perderam espaço, incluindo o seu primeiro case de sucesso.
Nem acho que lhe falte senso crítico para isso, mas ele privilegia os relacionamentos e as pontes. Bom, uma pessoa com essa capacidade de leitura da evolução da indústria e seu funcionamento mais abrangente, aliado a postura de manter portas abertas, foi relativamente simples pavimentar e decidir seu próprio caminho, o levando a ser o CEO do mais poderoso grupo econômico que atua no futebol. A obra é sim de endomarketing e deu muito certa. Ele está de parabéns. A leitura sobre o mercado da bola entre a década de 90 e anos 2000 é de extrema valia para quem se propõe a querer aprender como as coisas funcionam de fato.
Mas um abismo separa Ferran da perfeição. Aliás não existem pessoas perfeitas. Isso é um fato incontestável. E definitivamente nosso presidente se encontra a anos luz de distância da capacidade analítica e gerencial do autor de A BOLA NÃO ENTRA POR ACASO.
Voltando as primeiras páginas do livro, todos nós sabemos que quando a “bola entra” por aqui, o gestor pode fazer o que bem entender que ninguém o fiscaliza. Ou melhor quase ninguém. Quem o faz é prontamente criticado por estar desagregando em um momento em que tudo está dando certo e o time está vencendo. E nem precisamos nos ater ao Fluminense nesse caso. O melhor exemplo e bem recente é o Cruzeiro.
Esse comportamento de blindagem, por si só, o inviabiliza tomar a obra de Ferran como guia. Soa quase a uma desonestidade intelectual.
Pois bem, apresentarei nessa thread tudo que entendo ser contraditório ao que é defendido no livro com o que observo no dia a dia do Fluminense, em termos de dados financeiros concretos e toda narrativa do modelo associativo.
É eu entendo que existem inúmeras contradições e que tudo isso vai implicar em várias edições, pois não quero que nenhuma delas ultrapasse a faixa de 4-5 minutos de leitura, a qual já atingimos.
Até a próxima parte!
E não se esqueça:
“Não se olvide que a liberdade de expressão (de informar, de criticar, etc.) é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. A livre manifestação do pensamento é garantia constitucional, devendo ser assegurada em toda sua plenitude, nos vários veículos de comunicação, inclusive nas redes sociais”, me permitindo uma única alteração: Revue, “no caso concreto”.
No texto original de onde isso foi extraído, ainda há uma nota de rodapé usada:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (Art, 220, caput, Constituição da República)‘.
Mais uma frase do guru Nelson Rodrigues: “Na vida, o importante é fracassar.”
STs