Hoje vamos falar sobre as novas sociedades anônimas de futebol, sob a ótica dos valores anunciados e toda incerteza que paira sobre esse momento do futebol brasileiro.
ALHOS & BUGALHOS
O suposto processo de transformação dos clubes de futebol brasileiro através da nova lei de clubes empresa sempre foi bem duvidoso, afinal se “sustenta” em três pilares completamente podres:
- A Lei em si;
- A insistência na manutenção de modelos associativos nos clubes de futebol;
- SAF terem sido transformadas em soluções mágicas, para alegria de intermediários que farão rios de dinheiro e tábua de salvação para gestores amadores, alimentando suas recorrentes narrativas falaciosas.
O processo é tão ruim ao ponto de alguns players de modelos associativos usarem toda a insegurança e nebulosidade para defender uma “cautela” que não tem nada a ver com precaução, ou seja, uma desculpa para preservação de seus abomináveis modelos parasitários, que garantem acesso a qualquer tipo de desqualificado e subqualificado concorrer a cargos de direção de clubes. Esperam para ver sem estudar, sem se aprofundar, mero “comentaristas” de notícias e postagens de redes sociais.
A enésima ação procrastinatória, camuflada de estudo e observação (“me elejam, eu vou estudar o assunto e lá na frente verei o que farei”), evitando lidar com problemas que não requerem grandes transformações e autorizações de colégios eleitorais e poderes constituídos, que podem ser facilmente listados: parar de operar com gastos nababescos, lastrados ou não por projeções de receitas surreais; e a criação de déficits de forma recorrente que só fazem aumentar os passivos.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar.
A megalomania inerente ao torcedor de futebol, que historicamente, na frustração de não conquistar títulos, passou a torcer por gestores amadores, agora apresenta algum tipo de metástase e tenta comparar (e se vangloriar) das SAF que são constituídas. A minha SAF é maior que a sua, a minha SAF é melhor que a sua, enquanto mehorias esportivas e conquistas seguem não sendo observadas (“todo projeto requer anos a fio para ter retorno”, outra narrativa batida).
Essa edição não vai falar de Fluminense diretamente daqui pra frente. Vamos descrever de forma bem objetiva as quatro compras mais relevantes que aconteceram nos últimos meses: Cruzeiro, Botafogo, Vasco e mais recentemente a do Bahia.
SAFs constituídas por um ex-jogador renomado que já tinha outros investimentos no futebol (clube e agenciamento), um novo player que tenta emular o comportamento de uma MCO com clubes de prateleiras inferiores, um grupo que já atua como MCO, mas em times emergentes ou decadentes, e o todo poderoso City Group.
A primeira SAF anunciada com alarde foi a do Cruzeiro.
Supostamente vendida por 400 milhões, com 90% da SAF sendo do Ronaldo e 10% do modelo associativo, descobriu-se a posteriori que só existe obrigação de aporte de 50 milhões de reais. Os demais valores, não compulsórios, podem ter origem nas próprias receitas geradas pelo negócio, ou seja, não seriam aportes.
Como previsto na Lei, 20% desses aportes precisam ser endereçados ao pagamento de dívidas, mas hoje em dia já percebemos que a blindagem, pelo menos no caso do Cruzeiro, furou, além de surgirem novos processos, em que se cobra direta ou solidariamente a SAF.
Não me perguntem como pagariam as dívidas nesse cenário. Mesmo se a blindagem funcionasse, seria um tanto quanto inexequível.
Atualmente o Cruzeiro já tenta uma recuperação judicial, mas os movimentos iniciais indicaram que os credores refutarão a opção de conceder elevados descontos. Muita água vai rolar a ponto de poder virar um tsunami.
A segunda SAF anunciada em chamados grandes clubes foi a do Botafogo.
Temos poucas informações a respeito da negociação, que aparentemente custou 400 milhões de reais em aportes garantidos por 90% da SAF constituída, com os 10% remanescentes nas mãos do modelo associativo.
O cronograma desses aportes seria o seguinte:
- 50 milhões em empréstimo, na prática um adiantamento, em tese já quitado;
- 100 milhões na conclusão da operação (também em tese já recebido no primeiro semestre);
- 100 milhões em até 12 meses;
- 100 milhões em até 24 meses;
- 50 milhões em até 36 meses.
Desses 400 milhões previstos, 20% serão destinados ao modelo associativo, tanto para seu sustento como para pagamento de suas dívidas bilionárias. A conta não fecha, eu sei, mas vamos adiante.
Comparando esses dois primeiros casos, é impossível dizer qual foi a melhor transação, se é que alguma delas foi realmente boa. A do Botafogo pelo menos tem a contratação de aportes de 400 milhões, mas desconheço se foram dadas garantias sobre esses aportes futuros. Aparentemente se fiam na figura folclórica do “bilionário”, que vem comprando clubes com lastro em empréstimos.
Temos então a compra da SAF do Vasco pela 777 Partners, que investe em trocentos segmentos e vem montando um MCO com clubes emergentes e ou tradicionais que foram dragados por má gestão ao longo dos anos.
São 700 milhões por 70% da SAF, mais a promessa de sanear as dívidas do clube, um valor estimado de mais de 700 milhões, mas que a gente sabe que sempre é bem maior na prática que as estimativas dos modelos associativos.
Desconheço o cronograma de aportes, talvez nem eles saibam ao certo isso, por n motivos, incluindo o pagamento das dívidas.
Em função dos 70×30, 30% dos aportes irão para o clube social.
A SAF do Vasco tem uma peculiaridade em relação as duas supracitadas: o clube tem um estádio próprio, enquanto Cruzeiro e Botafogo concessões de estádios públicos. No acordo realizado, o ativo fixo (estádio) seguiu em nome do modelo associativo vascaíno. Isso de certa forma nos ajudaria a comparar os valores, mas nos três casos, não temos certeza dos fluxos.
Então, até agora, não dá para ter certeza de nada.
O Vasco está inserido em uma MCO, recente, mas MCO. O Botafogo faz parte de um esforço para construir uma MCO (não dá para saber se terão êxito nisso e se tiver, será uma MCO nova e com novos players). Já o Cruzeiro faz parte da “MCO de dois” do Ronaldo, cujo funding segue sendo um mistério.
Nesse aspecto, antes de entrar em valores, que a essa altura já deu para perceber que são incomparáveis, a quarta SAF aparenta ter ampla vantagem sobre as demais. Fazer parte do mais rico e poderoso MCO, com funding ilimitado, isso faz muita diferença. Financeira, estratégica e técnica.
Mas não é garantia de sucesso, afinal todo MCO tem um carro chefe e clubes que orbitam ao seu redor, com objetivos nem sempre de priorizar os resultados esportivos.
Vamos a questão financeira da compra do Bahia pelo Grupo City: 1 bilhão de reais por 90%, todo carimbado:
- 50% na aquisição de jogadores;
- 30% para quitação das dívidas existentes; e
- 20% em investimentos em melhorias em infraestrutura e capital de giro.
Isso tudo vai ocorrer em até 15 anos.
Como venho dizendo, é impossível comparar outra vez.
Primeiro em função dos prazos distintos.
Segundo em questão de valores de dívidas, possíveis incrementos nos aportes, projetos paralelos em arenas e outras melhorias de infraestrutura.
A avaliação só poderá ser feita ao longo dos anos, pois aí veremos o quanto foi investido, o quanto foi saneado, o que foi melhorado e se isso tudo refletiu no principal: melhores resultados em campo.
Por enquanto é só.
Vou seguir nessa temática em outra edição: Novos Mecenatos, SAF, MCO. Solução para tudo ou meros sugar daddies do amadorismo, do complexo de vira-lata e da eterna prostituição do futebol brasileiro?