Por mais que tentem vender que as novas SAF acabarão com “almoço grátis” dos modelos associativos, nenhuma delas dá ponto sem nó. Também não temos mecenas que não tenham objetivos além do futebol, bem como as MCO que explorarão clubes no Brasil não tem como prioridade o desempenho esportivo desses clubes.
Hoje vamos discutir alguns aspectos para combater essa imagem mítica que fazem a respeito de todo e qualquer dinheiro novo no futebol. Dinheiro novo é sinônimo de beatificação do benfeitor e garantia de sucesso irrestrito dentro do hiper positivismo pertinente a indústria da bola brazuca.
MECENATOS
Essa questão de mecenato, qualquer tricolor que não seja alienado, sabe perfeitamente como funciona. Temos duas experiências recentes: a Unimed e o CTPA.
É inegável que a Unimed conseguiu crescer graças a associação feita com o Fluminense, que lhe garantiu muita exposição, a um custo bem menor que teria se fosse comprar espaço publicitário em eventos de elevada audiência. Além disso, com o passar dos anos, temos a figura da Unimed Participações, que tinha direitos econômicos sobre jogadores e obteve bons ganhos, além daqueles originários do mecenato camuflado de patrocínio.
Já o evento do CTPA se origina após uma bela exposição de uma propriedade, que acabou muito bem valorizada e vendida. Na sequência, temos claramente outra característica desses amores incondicionais: poder e influencia dentro dos clubes e sobretudo muita exposição, que bem ou mal garante certo status diferenciado nesse meio (algo que também se observa no caso Unimed, com a figura do Celso Barros sendo influente até os dias atuais).
Muitos desses aportes, claramente, objetivam poder, dentro de um negócio que gira centenas de milhões por ano, muito mal fiscalizado e descontrolado. Raramente esses aportes e mecenatos exigem uma contrapartida de governança. Ou pior, alguns até vendem uma imagem de transformação que não tem lastro com a realidade.
Vamos além do Flu! Mecenatos com aportes remunerados não deixam de ser investimentos.
Investimentos que pelo risco tem retorno elevado, mitigado justamente pelo poder que o mecenas conquista com seus aportes. Uma situação bem curiosa.
Outro exemplo prático são os mecenatos que desenvolvem negócios em áreas de propriedade dos mecenas. Não tem nada de abnegação e amor incondicional ao clube de futebol nesses casos, os ganhos fora da paixão do futebol serão enormes.
SAF
O caso das novas SAF, a meu ver, são ainda piores.
Clubes estão negociando o futebol antes do desfecho da formação e venda de direitos da nova liga, que promete elevados crescimentos de receitas, que mesmo que não se realizem, garantirão polpudos adiantamentos de receita, que acabarão financiando as compras de uma forma ou de outra.
Compras com valores anuais efetivos muito baixos. Baixos a ponto de serem talvez inferiores que uma dupla de boas vendas de talentos, por exemplo. Como vimos na edição passada, existem SAF onde não há exigência de aporte externo, ou casos em que os valores podem ser pagos ao longo do tempo conforme o vento soprar. Tudo isso barateia e muito essas operações, que já são feitas com os clubes enforcados e valores muito baixos.
Isso explica em parte, a forma temerária como a maioria das SAF vem tratando suas dívidas, acreditando cegamente em RCEs que não tem fluxo para serem quitados. As coisas acontecerão de forma tão rápida, que investimentos tão baixos podem trazer retorno mesmo que a vida dessas SAF, ou a propriedade atual, sejam curtas. Esse componente de dívida considerado no valor das transações simplesmente pode deixar de existir no caso de saída dos novos donos, ou numa revenda que eles façam, repassando a dívida para o próximo oportunista.
É óbvio que isso não é mero erro de estratégia. Os maiores clubes que estão se transformando em SAF chegaram no fundo do poço, seu amadorismo e elevadas dívidas não permitiram mais procrastinação e a solução mágica para aporte de recursos e algum fôlego foram as SAF.
Como também não tem nada de estratégia o clube amador, pré-insolvente e fábrica de déficits correntes, retardar sua transformação em SAF em virtude dessa formação da Liga ou até mesmo para entender melhor o desfecho desse enésimo programa de socorro a clubes mal geridos, sonegadores e caloteiros.
A estratégia até existe nesse caso, mas é 100% voltada a manutenção de poder do modelo associativo, existindo até mesmo o risco do modelo se tornar acionista majoritário de uma SAF para fazer uso das blindagens temporárias do RCE. Vale tudo para dar sobrevida e fôlego a gastos perdulários e ações entre amigos.
As SAF que estão ligadas a MCO ou ensejos de MCO também propiciam ganhos fora do universo do clube “profissionalizado”, mas vamos ver isso com mais detalhe no próximo bloco.
MCO
A partir da década de 80, ficou muito claro que o futebol sul-americano seria tratado como celeiro de bons jogadores de futebol, atendendo a demanda das ligas economicamente mais fortes da Europa. Naquela época, boa parte do poder se resumia a questão cambial. O poder das ligas europeias foi só crescendo com sua organização e profissionalização, criando o abismo atual, que acabou de consolidar o mercado sul-americano como mero exportador de commodities para o mercado da bola.
Nesse bloco, a análise é muito subjetiva. A impressão que fica é que os clubes europeus e suas MCO, passarão a trabalhar esses celeiros diretamente, minimizando custos e sobretudo erros nas contratações/exportação de talentos.
Os intermediários oneram demais o processo de recrutar talentos para jogar na Europa. Fora o fato de muitas vezes eles conseguirem vender gato por lebre, a peso de ouro.
A presença das MCO no Brasil representam a melhoria no scout e sobretudo no acompanhamento e desenvolvimento das joias e bons jogadores aptos a compor elencos, agregando valor. Transações mais baratas, recrutamento na fonte, mitiga ação de intermediários, minimiza influência de agentes e modelos associativos perdulários e formam atletas que estarão, em tese, mais aptos a migrar com sucesso para as mais poderosas ligas ou as ligas acessórias que fazem receita em moeda forte, inseridas nas vantajosas competições europeias.
É muita ingenuidade achar que há interesse em grandes conquistas esportivas no mercado brasileiro, o volume de receitas é pífio comparado ao europeu, mesmo nesses cenários de crescimento surreal que as ligas andam projetando.
É óbvio que premiação local subsidiaria todo esse investimento, mas não parece ser algo primordial ou mandatório para o sucesso e continuidade dessas novas empreitadas, a luz do investidor.
E cá para nós, o futebol no Brasil está num baixo nível absurdo, que qualquer trocado e esforço garante melhor desempenho. Num ambiente onde tratam classificação para Libertadores como grande conquista, é mole ir levando os projetos sem grandes cobranças.
Podem até vir conquistas em copas e tudo mais, mas no fim do dia, tudo parece estar inserido numa estratégia de maior controle e melhores condições de competir no recrutamento com os outras MCO e clubes europeus endinheirados. Gastos qualitativos e potencialmente em menor escala que os valores atuais. Pura maximização de riqueza.
Assim como nos outros dois blocos, os clubes brasileiros serão usados pelos sugar daddies, sejam eles mecenas, SAF ou MCO. Nada diferente do que ocorre hoje em dia, onde a imensa maioiria dos clubes é refém de seus modelos associativos. Nessa aspecto de submissão, parece que teremos alguma melhoria em alguns poucos casos, onde o investimento tenha o mínimo de seriedade, mas tudo isso está muito aquém do ideal.